Conselhos municipais de educação

12-02-2014 15:45

Conselhos municipais de educação

Decorreram há dias, nas nossas escolas, atos eleitorais com vista à constituição do Conselho Municipal de Educação de Santa Maria da Feira para novo mandato. É algo de que pouco se tem ouvido falar no país, como seria necessário, mas recordo que, aí pelo ano letivo de 2005/2006, se encheram as bocas de autarcas (inclusivamente a minha) e de figuras públicas ligadas à educação por via da obrigatoriedade da elaboração, aprovação e ratificação das cartas educativas em todos os municípios. Os meus apontamentos registam que a Assembleia Municipal de Sernancelhe realizou sessão extraordinária, em maio daquele ano, para a designação dos elementos que integrariam o conselho municipal de educação, sob proposta da câmara como determina a lei, o qual reuniu em tempo oportuno para emitir parecer unânime sobre a carta educativa elaborada pela Câmara Municipal, nos termos legais, que a colocou em discussão pública, após o que a submeteu à apreciação da Assembleia Municipal, também reunida extraordinariamente a 30 do mesmo mês, que a aprovou por maioria absoluta. De então para cá, apesar de várias vezes ter questionado o executivo no lugar próprio, nunca mais ouvi falar das suas atividades, bem como das similares de órgão homólogo de outros municípios.

Dei-me, entretanto, à curiosidade de algo pesquisar sobre o assunto e percebi que, no município de Santa Maria da Feira, o conselho municipal de educação tem funcionado regularmente no último quadriénio e não descurou as suas responsabilidades, embora tal não haja sido invocado publicamente como suporte das decisões tomadas em matéria educativa. Vi, por exemplo, que a 11 de maio de 2012, como refere a ata da sua 8.ª reunião ordinária, o conselho, perante as propostas de alteração à rede escolar pela senda da agregação de agrupamentos de escolas, apenas a referente ao “Território Milheirós de Poiares e Arrifana obteve a concordância da Autarquia, com a condição de que teria oferta de ensino secundário, integrando todas as estruturas educativas desde o pré-escolar ao 12.º ano e respeitando o princípio da especialização, para evitar sobreposição, no mesmo concelho, entre cursos profissionais e cursos de aprendizagem com as mesmas saídas profissionais” (vd ata referenciada, ponto 4). E os diretores de nada sabiam! – constava.

Depois, entretive-me a compulsar a legislação atinente à matéria e anotei que o art.º 11.º do decreto-lei n.º 75/2008, de 22 de abril, com a redação que lhe foi dada pelo DL n.º 137/2012, de 2 de julho, no seu n.º 1, institui o conselho geral como “órgão de direção estratégica responsável pela definição das linhas orientadoras da atividade da escola, assegurando a participação e representação da comunidade educativa”. Por seu turno, o n.º 2 estabelece a articulação com o município através da câmara municipal no respeito pelas competências do conselho municipal de educação estabelecidas pela legislação em vigor. Dando por suposto que, onde se lê “escola”, se lerá com legitimidade “agrupamento de escolas” ou “agrupamento resultante da agregação de agrupamentos de escolas e escola até então não agrupada”, é linear a conclusão de que nem as câmaras nem o Ministério da Educação e Ciência podem decidir unilateralmente qualquer matéria concernente à educação. Por isso, nunca percebi como conscientes autarcas executivos, que acompanharam, supervisionaram e aprovaram as respetivas cartas educativas, andaram a queixar-se do ME ou MEC, que andara a agrupar ou a agregar e até a encerrar “escolas”, sem conhecimento ou contra a vontade destes ilustres e conscienciosos detentores do poder local de proximidade, chegando muitos deles a desfilar garbosamente ao lado ou à cabeça de ruidosas manifestações populares e a correr para gabinetes ministeriais! De igual modo, merecem as drásticas vergastadas do pelourinho da massa crítica os sucessivos titulares da superintendência administrativa da nação (e seus altos representantes educativos) se efetivamente andaram a surpreender lá de cima ou de ali ao lado os autarcas e as populações, que estes tão solenemente juraram defender, talvez para garantia da manutenção de si próprios no poder. Onde esteve o conselho municipal de educação numa grande e significativa quantidade de municípios, órgão com uma razoável multiplicidade e notória diversidade de representantes e com tantas competências em relação à política educativa concelhia e à organização e alteração da rede escolar, como veremos? Ou as cartas educativas estavam mal elaboradas ou não foram revistas em tempo útil, de acordo com o normativo legal que as equipara a peça integrante do PDM ou, ainda, talvez os assuntos de educação sejam relevantes somente em determinadas ocasiões! É que a legislação, neste setor, não traz ambiguidades nem perplexidades, desde que os membros do órgão não primem pelo absentismo e façam o trabalho de casa, como sói dizer-se. Se não, vejamos:

A lei n.º 159/99, de 14 de setembro, que estabelece o quadro de transferência de atribuições e competências para as autarquias locais, na alínea b) do n.º 2 do artigo 19.º inscreve a criação dos conselhos locais de educação como uma das competências dos órgãos municipais, tal como a alínea a) inscreve a competência de elaborar a carta escolar a integrar nos planos diretores municipais. E a lei n.º 169/99, de 18 de setembro, (do regime de competências e funcionamento dos órgãos do poder local) com a redação que lhe foi dada pelas leis n.os 5-A/2002, de 11 de janeiro, e 75/2013, de 12 de setembro, na alínea c) do n.º 4 do artigo 53.º, atribui competência à Assembleia Municipal para, sob proposta da Câmara Municipal, deliberar sobre a criação do conselho local de educação, de acordo com a lei.

Porém, é o decreto-lei n.º 7/2003, de 15 de janeiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 41/2003, de 22 de agosto, retificada pela declaração de retificação n.º13/2003, de 11 de outubro, alterou a denominação de conselho local de educação para conselho municipal de educação e regulou as suas competências e composição, estipulando no art.º 8.º que as regras de funcionamento constam de regimento a aprovar pelo próprio conselho.

Em abono da multiplicidade e diversidade de representação, sigo o referido DL n.º 7/2003, com a redação dada pela lei n.º 41/2003, também referida. Segundo o art.º 5.º, compõem o conselho municipal de educação: taxativamente, presidente da câmara, que preside, presidente da assembleia, vereador da educação, que substitui o presidente em suas ausências e impedimentos, diretor regional de educação, ou quem as suas vezes fizer, um presidente de junta de freguesia eleito pela assembleia municipal e um representante do pessoal docente do ensino básico público; e, em conformidade com a existência ou não no município, dois representantes das associações de pais e encarregados de educação e um representante por cada uma seguintes entidades: instituições de ensino superior público, instituições de ensino superior privado, pessoal docente do ensino secundário público, pessoal docente da educação pré-escolar pública, estabelecimentos privados de educação e de ensino básico e secundário, associações de estudantes, instituições particulares de solidariedade social que desenvolvam atividade na área da educação, serviços públicos de saúde, serviços da segurança social, serviços de emprego e formação profissional, serviços públicos da área da juventude e do desporto, forças de segurança e conselho municipal de juventude (elemento aditado pela lei n.º 6 /2012, de 10 de fevereiro). E podem ser adicionados técnicos de reconhecida competência na área da educação.

Quanto à relevância do conselho, leia-se o art.º 3.º do citado DL:

“É uma instância de coordenação e consulta, que tem por objetivo promover, a nível municipal, a coordenação da política educativa, articulando a intervenção, no âmbito do sistema educativo, dos agentes educativos e dos parceiros sociais interessados, analisando e acompanhando o funcionamento do referido sistema e propondo as ações consideradas adequadas à promoção de maiores padrões de eficiência e eficácia do mesmo”.

E o art.º 4.º determina que, no quadro das suas competências, lhe compete deliberar, em especial, sobre as matérias de coordenação do sistema educativo e articulação da política educativa com outras políticas sociais; acompanhamento da elaboração e atualização da carta educativa; negociação e execução dos contratos de autonomia; apreciação dos projetos educativos do município; adequação das diferentes modalidades de ação social escolar às necessidades locais, designadamente apoios socioeducativos, rede de transportes escolares e alimentação; medidas de desenvolvimento educativo, no âmbito do apoio a crianças e jovens com necessidades educativas especiais, da organização de atividades de complemento curricular, da qualificação escolar e profissional dos jovens e da promoção de ofertas de formação ao longo da vida, do desenvolvimento do desporto escolar, bem como do apoio a iniciativas relevantes de caráter cultural, artístico, desportivo, de preservação do ambiente e de educação para a cidadania; programas e ações de prevenção e segurança dos espaços escolares e seus acessos; qualificação e requalificação do parque escolar; e análise do funcionamento dos estabelecimentos de educação pré-escolar e de ensino. Amplas competências, pois não?!

Sobre a carta educativa, acrescento ao que foi explicitado que, segundo o art.º 10.º, compagina, “a nível municipal, o instrumento de planeamento e ordenamento prospetivo de edifícios e equipamentos educativos a localizar no concelho, de acordo com as ofertas de educação e formação que seja necessário satisfazer, tendo em vista a melhor utilização dos recursos educativos, no quadro do desenvolvimento demográfico e socioeconómico” do município. E o art.º 19.º/3 esclarece que ela “integra o plano diretor municipal respetivo, estando, nestes termos, sujeita a ratificação governamental, mediante parecer prévio vinculativo do Ministério da Educação”.

Em termos da sua revisão, o art.º 20.º estabelece que: revestem a forma de revisão as alterações que se reflitam significativamente no ordenamento da rede educativa anteriormente aprovado, designadamente a criação ou o encerramento de novos estabelecimentos de educação pré-escolar e de ensino (n.º1); a revisão é obrigatória quando a rede educativa do município fique desconforme com os princípios, objetivos e parâmetros técnicos do ordenamento da rede educativa, devendo o processo de revisão ser iniciado a solicitação do Ministério da Educação ou das câmaras municipais (n.º 2); o Ministério e as câmaras reavaliam obrigatoriamente de cinco em cinco anos a necessidade da sua revisão (n.º 3); à sua revisão são aplicáveis os procedimentos previstos para a respetiva aprovação (n.º 4).

O conselho tem ainda competências no âmbito da rede educativa concelhia, que obrigam a constante atenção de todos a ponto de o art.º 13.º/2 explicitar que “a necessidade da adequação, em permanência, da oferta educativa, nomeadamente a que decorre das alterações da procura, em termos qualitativos e quantitativos, e do estado físico dos edifícios, obriga a um processo anual de apreciação e ajustamento da rede educativa.

Sendo assim, julgo não ser excessivo concluir que a profunda alteração do panorama das políticas educativas e da rede escolar em todos os municípios (encerramento de escolas, criação dos centros escolares, dos agrupamentos e dos vulgarmente denominados mega-agrupamentos), relegou o papel dos conselhos municipais de educação para o limbo da omissão, da penumbra ou mesmo da sombra. Muitas gargantas terão clamado, muitas responsabilidades terão sido jogadas porta fora, muito pouco se terá relido e escrito para atualização dos instrumentos de racionalização e gestão de meios. É a democracia portuguesa no seu baço esplendor!