Oitavário ou semana para o ecumenismo

11-01-2014 22:17

 Oitavário ou semana para o ecumenismo

De 18 a 25 de janeiro realiza-se a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, sucedânea do Oitavário pela Unidade da Igreja ou Oitavário de Oração pela Unidade dos Cristãos, em torno da questão temática «Estará Cristo dividido?” (1 Cor 1, 13). Estas datas são observadas anualmente a nível mundial no hemisfério norte e foram propostas e levadas à prática em 1908 por Paul Watson, americano anglicano, e por Spencer Jones, episcopaliano, para cobrir o lapso temporal que medeia a antiga festa da Cátedra de São Pedro e a da Conversão de São Paulo, que se revestem de valor simbólico pela evocação daquelas duas “colunas da fé”.

No hemisfério sul, em que o mês de janeiro se presta ao gozo de férias de verão, costuma adotar-se outro período próximo do Pentecostes, sugerido pelo movimento Fé e Constituição, em 1916.

Este evento de periodicidade anual insere-se na dinâmica reflexiva e oracional criada pelo denominado movimento ecuménico, surgido nos finais do século XIX, com iniciativas tendentes a favorecer o regresso à unidade dos cristãos, quebrada por algumas penosas ruturas históricas.

Tal regresso tornava-se necessário para se cumprir o que o Senhor tinha dito depois da Última Ceia: “para todos serem um só; como Tu, ó Pai, estás em Mim e Eu em Ti, que eles também estejam em Nós”(Jo 17, 21).

Porém, este desejo de unidade começou há mais tempo, como se pode ver pelo levantamento dos principais marcos históricos que enquadram as diversas atividades lançadas e desenvolvidas ao longo do tempo por diversos e generosos agentes do ecumenismo.

Em 1740, na Escócia, o movimento pentecostal nascente com ligações à América do Norte, convida à oração com e por todas as Igrejas; em 1820, James Haldane Stewart publica Sugestões para a união geral dos cristãos, com vista à efusão do Espírito; vinte anos mais tarde, Ignatius Spencer, convertido ao catolicismo, sugere uma união de oração pela unidade, tema em que insiste, em 1867, a primeira assembleia dos bispos anglicanos, em Lambeth.

Do lado católico, o Papa Leão XIII, em 1894, encoraja a prática de um Oitavário de Oração pela Unidade no contexto do Pentecostes; e, três anos depois, na encíclica Satis Cognitum, determina que os nove dias entre a Ascensão e o Pentecostes sejam dedicados a essa intenção de unidade.

Em 1910, Pio X, após a experiência iniciada em 1908 pelos dois anglicanos já referidos fixou o tempo dessa celebração para os dias entre 18 e 25 de janeiro, que Bento XV estendeu a toda a Igreja Católica.

Foi em 1926 que a celebração anual se consolidou com a publicação por parte do Movimento Fé e Constituição de Sugestões para um Oitavário de Oração pela Unidade dos cristãos.

Em França, em 1935, o Padre Paul Couturier torna-se o paladino da “Semana Universal de Oração pela Unidade dos Cristãos” concebida sobre a base de uma oração pela unidade que Cristo quer e pelos meios que Ele quer”; e, em 1958, o Centro “Unidade Cristã” de Lyon começa a preparar o tema para a Semana de Oração em colaboração com a Comissão “Fé e Constituição”, do Conselho Ecuménico das Igrejas.

Já significativo passo em frente fora dado graças ao Papa Pio XII que, numa instrução de 1950, louvou explicitamente o movimento ecuménico, reconduzindo a sua origem à obra do Espírito Santo. Foi, porém, com a criação do Secretariado Romano para a Unidade dos Cristãos, em 1960, por João XXIII, e com a promulgação do Decreto sobre o Ecumenismo, do Concílio Vaticano II, o ecumenismo entrou definitivamente, no ano de 1964, no léxico eclesial, na convicção profunda de que a sua espiritualidade pressupõe que a superação das diferenças humanamente insuperáveis é uma obra de Deus, requerendo, por isso, uma atitude orante e uma atitude de diálogo que brota da certeza da unidade fundamental entre aqueles que creem em Jesus Cristo. Assim, os padres conciliares assumem a oração como a alma do movimento ecuménico e encorajam a prática da Semana de Oração. Por outro lado, em Jerusalém, Paulo VI e o Patriarca Atenágoras I rezam juntos a oração de Cristo que todos sejam um (Jo, 17).

Os bispos, no citado decreto, incitam à oração ecuménica, “conscientes de que este santo propósito de reconciliar a todos os cristãos na unidade de uma só e única Igreja de Cristo excede as forças e a capacidade humana” (UR). Nesta mesma linha de ideias e preocupações, o pastor LewisTomas Wattson, ou Paul Wattson, sentia forte inquietação ao ler as palavras da Escritura relativas à unidade da Igreja: “Tenho ainda outras ovelhas, que não são deste aprisco. A essas, também, tenho Eu de conduzir, e elas hão de ouvir a minha voz. Então passará a haver um só rebanho, um só Pastor” (Jo 10, 16). E considerando um escândalo esta desunião, para o reparar consagrou-se inteiramente à unidade dos cristãos. Para isso, Wattson, que cofundara com a irmã Lurana White a Comunidade dos Irmãos e Irmãs da Penitência, deixou o seu cargo de pastor e fundou a Sociedade da Reconciliação, bem como uma revista, com o intuito de mostrar que a Igreja fundada por Jesus Cristo é uma só. A sua vida acabou por conhecer um desfecho consequente – a conversão à Igreja Católica, juntamente com os seus seguidores.

Posteriormente, em 1966, dá-se mais um passo, pois, a já referida Comissão “Fé e Constituição”, do Conselho Mundial (ou Ecuménico) das Igrejas, e o Secretariado para a Unidade dos Cristãos (hoje Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos), da Igreja Católica, decidem preparar em conjunto o texto para a Semana de Oração de cada ano, acabando por decidir que, a partir de 2004, os textos em francês e inglês da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos serão publicados no mesmo formato. E, em 2004, os textos tiveram ainda a colaboração da YMCA (Young Men's Christian Association) e da YWCA (Young Women's Christian Association).

Em 2008, pôde levar-se a cabo a Celebração do Centenário da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, marcado por avanços e recuos, sendo aqueles consolidados por várias iniciativas, de que se destacam as semanas de oração, os textos comuns em muitas áreas, a comunidade de jovens de Taizé e muitos gestos de aproximação; e resultando aqueles de posições demasiado firmes, de que se destacam as afirmações de Pio XI na encíclica Mortalium Animos, sobre a missão salvífica exclusiva da Igreja Católica, e a ambiguidade de alguns gestos por parte da hierarquia católica e de algumas confissões protestantes.

Para este ano, em Portugal, além da oração conjunta, está programado que representantes das Igrejas Católica, Lusitana, Presbiteriana, Metodista e Ortodoxa em Portugal assinem no próximo dia 25, durante a celebração ecuménica nacional, na catedral Lusitana (Igreja Anglicana) de São Paulo, em Lisboa, uma declaração de reconhecimento mútuo do Batismo. Segundo D. António Couto, presidente da Comissão Episcopal da Missão e Nova Evangelização, esta decisão é um “acontecimento nacional” que vem coroar “muitos anos de trabalho".

Por sua vez, os responsáveis pela celebração, em comunicado enviado à Agência ECCLESIA, destacam este “importante acontecimento” como “mais um passo no caminho de diálogo ecuménico entre as Igrejas envolvidas” e sublinham que “reafirma o muito que já nos une em Cristo, como seus discípulos, um povo de batizados chamado a ser, no mundo e para o mundo, sinal credível do Evangelho”. Além disso, trata-se de um passo dado “num contexto orante, que reúne jovens e hierarcas das diversas Igrejas, juntos na escuta da Palavra e no assumir de um compromisso claro pela causa da reconciliação e da unidade”. Mais do que um ato de cortesia ecuménica, o gesto consubstancia uma afirmação básica de eclesiologia.

Do ponto de vista católico, verifica-se  a sintonia com o referido decreto conciliar sobre o ecumenismo, a Unitatis Redintegratio, em cujo n.º 3 se lê que todos os cristãos “justificados no Batismo pela fé, são incorporados a Cristo, e, por isso, com direito se honram com o nome de cristãos e justamente são reconhecidos pelos filhos da Igreja católica como irmãos no Senhor”. Na sequência deste documento conciliar, João Paulo II, na encíclica Ut Unum Sint, sobre a Unidade dos Cristãos (n.º 42), assegura que o reconhecimento da fraternidade ecuménica “não é a consequência de um filantropismo liberal ou de um vago espírito de família, mas está enraizado no reconhecimento do único Batismo”.

O ‘Diretório’ para a aplicação dos princípios e das normas sobre o ecumenismo pede explicitamente um reconhecimento recíproco e oficial do Batismo, destacando as implicações teológicas, pastorais e ecuménicas desse ato.

E Bento XVI, referindo-se, em particular, à espiritualidade ecuménica, evidencia que “a evocação perseverante à oração pela comunhão entre os seguidores do Senhor manifesta a orientação mais autêntica e profunda da inteira busca ecuménica, porque a unidade, antes de mais, é dom de Deus”. Não somos, pois, nós quem efetivamente a faz, mas somos nós quem a recebe de Deus, o que pressupõe que lhe tenhamos permanentemente aberto o coração.

Oxalá que o movimento ecuménico não conheça quaisquer recuos ou debilidades!