São Dâmaso

11-12-2013 19:27

Embora haja quem afirme a possibilidade de ter nascido em Arguelaguer, Madrid ou Tarragona, pode dizer-se que Dâmaso foi dado ao mundo, com toda a probabilidade, em território atualmente português, havendo quem defenda a hipótese de ter nascido mais especificamente na cidade de Guimarães ou em Idanha-a-Velha, localidades à altura integrantes do Império Romano. Mas, acima de tudo, é certo que a península ibérica é o berço de seu nascimento.

Foi André de Resende que no seu Breviário de Évora de 1548 afirmou que o «... B. Damasus ... patria Vimaranensis ex Bracarensi Provincia», isto é, que São Dâmaso nascera em Guimarães, no  Arcebispado de Braga. No entanto, há que ter me conta que este filho de António e de Laurentina, é referido no Liber Pontificalis  (O Livro dos Papas), que começa com São Pedro e que na sua forma primitiva ia até ao Papa Estêvão V (885-891): «Damasus, natione hispanus, ex patre Antonio ...».

Verdade é que Dâmaso aparece ainda criança em Roma, onde o pai era Secretário de São Lourenço, um dos sete diáconos da Igreja de Roma, martirizado durante a perseguição do Imperador Valeriano ocorrida em 258.

É de notar que a sua época coincidiu com a ascensão de Constantino, que deu a paz à Igreja,  até então na clandestinidade, dando à religião cristã – pelo édito de Milão, ora no seu 17.º centenário – a sua carta de alforria e, posteriormente, com a adoção do Cristianismo como religião oficial do Império Romano, por decisão do imperador Teodósio.

Entretanto, os imperadores romanos (incluindo Constantino) continuaram a conservar o título de Pontífice Máximo (Pontifex Maximus) até 376, ano em que o Imperador Graciano, por razões cristãs, o recusou, já que o reconhecia como idolatria e blasfémia.

Ora, Dâmaso foi eleito papa em 1 de outubro de 366, por larga maioria, com o agrado do patriciado romano, mesmo daquele que ainda era pagão. Porém, alguns seguidores do anterior papa Libério, próximos do arianismo, rumorejando que “os seus versos afagavam os ouvidos das matronas”, suas apoiantes na arqueologia e marcação dos túmulos do mártires com epígrafes poéticas, tinham promovido ao episcopado o diácono Ursino, que arvoraram em antipapa que lhe disputasse o lugar.

Foram mesmo necessários dois anos de lutas sangrentas e chacinas para que Dâmaso chegasse ao papado. As batalhas entre os bandos seguidores dos dois postulantes foram de tal violência que em um único dia foram recolhidos 137 mortos. Acusado pelos adversários de assassinato, Dâmaso teve que se defender perante um tribunal imperial. Porém o imperador Valentiniano I, que autorizou a ordenação episcopal de Ambrósio para Milão,  apoiava Dâmaso e, no ano de 378,  Dâmaso foi definitivamente absolvido, enquanto Ursino era desterrado.

Tal processo deu a Dâmaso I a oportunidade de ajustar as relações entre a justiça civil e a eclesiástica, afirmando com serena firmeza a “autoridade da Sé Apostólica”, expressão de sua criação e que se tornou tradicional. O Estado passou a reconhecer oficialmente a competência da Igreja em matéria de fé e de moral, a quem passou a votar todo o respeito, enquanto tomava a seu encargo a execução das sentenças ditadas pelo tribunal episcopal.

Dâmaso, de obra discreta, mas paciente e eficaz, foi um dos mais notáveis papas do século IV, defendendo a Igreja de Roma contra eventuais cismas, enviando legados ao Primeiro Concílio de Constantinopla, e sabendo ligar à Igreja de Roma todas as igrejas locais. Agora que a igreja saíra das catacumbas para exercer às claras o culto divino, era necessário construir templos próprios para o efeito. Mas não se podia  abandonar a memória de quantos,  ao longo de séculos, consolidaram a vida de fé e delinearam a morada para seus corpos de defuntos. Por isso, Dâmaso foi o reorganizador das catacumbas e o cultor dos restos mortais dos mártires, cujos túmulos marcava e epigrafava poeticamente.

Foi ainda Dâmaso um escritor de grande mérito, autor de valiosos epigramas e de importantes cartas sinodais. Meritória se tornou a encomenda que fez a Jerónimo de Estridão da revisão da versão latina da Bíblia, a qual ficou conhecida como Vulgata Latina, até hoje uma das mais importantes traduções bíblicas.

Este foi o primeiro papa a usar com desenvoltura o anel do Pescador, com o símbolo de São Pedro, que ao contrário de hoje, era passado de pontífice para pontífice, assim que confirmada a sua morte, como símbolo da autoridade pastoral de confirmar os irmãos na fé. O anel sob a égide de Pedro, o primeiro papa, já não existe, pois foi destruído. Hoje, quando o papa morre ou renuncia, o anel é inutilizado por quebra ou raiamento com tinta indelével.

Há registos de que, por volta do ano de 378,  Dâmaso era designado por Pontífice ou "Pontifex", embora não fosse chamado de Pontífice Máximo, termo que aparece na Sagrada Escritura para descrever homens abençoados (Hebreus 5, 14), e em alguns casos o próprio Jesus  (Hebreus 3, 1).

É citado no livro "Peregrino da América" como poeta português.