A ADSE e os seus encargos

15-02-2014 16:28

A ADSE e os seus encargos

A ADSE – sigla da então Assistência na Doença aos Servidores Civis do Estado, designação inicial atribuída ao organismo em 27 de abril de 1963 – significa, a partir de 15 de outubro de 1980, Direção-Geral de Proteção Social aos Trabalhadores em Funções Públicas e é um serviço integrado do Ministério das Finanças e da Administração Pública (em breve a ser integrado no Ministério da Saúde), dotado de autonomia administrativa que tem a responsabilidade de gerir o sistema de proteção social aos trabalhadores do setor público administrativo.

As suas atribuições e normas de funcionamento encontram-se consignadas no Decreto Regulamentar n.º 44/2012, de 26 de junho, e na Portaria n.º 351/2007, de 30 de março.

A ADSE financia (ou seja, comparticipa, satisfaz parte delas) as despesas realizadas pelos beneficiários com o tratamento, reabilitação e vigilância da saúde. Participa, na verificação da doença (visitas domiciliárias e junta médica).

Financiam a ADSE os departamentos do Estado ou similares de que provenham os funcionários no ativo, aposentados e reformados e, sobretudo, os beneficiários.

Só que o Estado manifestou a intenção de progressivamente se eximir ao cumprimento do seu dever de financiar (o que as sucessivas leis do orçamento espelham claramente) até alijar totalmente a responsabilidade para os ombros dos beneficiários, considerando o organismo como um seguro especial de saúde.

Eis senão quando surgem duas notícias bem interessantes, para não dizer arrepiantes. A primeira pode ler-se no Jornal de Notícias de sexta-feira passada, que noticia: “doze médicas, enfermeiras e outras funcionárias do Hospital de S. João foram acusadas de falsificar documentos de supostos tratamentos dermatológicos para fazer depilações à custa da ADSE”.

O jornal explica o esquema nestes termos: médica responsável de uma clínica passava um documento garantindo que o tratamento depilatório constituía um ato médico de dermatologia, as clientes (ou melhor, pacientes qualificadas) sujeitavam-se à depilação e a fatura era passada pela clínica já com o número de ADSE da cliente/paciente, que a apresentava aos serviços do Hospital S. João, no Porto, para obter o respetivo reembolso.

Comentários das redes sociais referem que o facto não é inédito assestando baterias sobre outro grande hospital. E eu me lembro de que, numa escola secundária, hoje extinta, ou melhor agregada a outro estabelecimento, de cuja agregação resultou uma EB 2/3 sem ensino secundário, a então chefe de secretaria terá conseguido substituir toda a sua dentadura natural por uma nova totalmente à custa da ADSE, fazendo a jogada com os números de beneficiário de professores e funcionários, bem como a assinatura da documentação respetiva por parte do especialista. Descoberta a manobra e depois do pertinente procedimento disciplinar, a senhora teve uma penalização conforme o estipulado no respetivo estatuto disciplinar, ao mesmo tempo que foi objeto de uma promoção – facto ao tempo assaz comentado.

Provavelmente, a ADSE terá passado por outras situações de congénere desvio de finalidades. Daí resultou que os dentes passaram cada um a ter uma codificação individualizada, não sendo possível ter sido feita ablação do mesmo dente duas ou mais vezes no mesmo paciente. Espero que agora cada pelo instalado no corpo feminil também fique sujeito a codificação adequada de modo que o mesmo não seja objeto de depilação duas ou mais vezes.

A outra notícia é do Expresso de hoje: “funcionários públicos tratados no setor privado só terão acesso à medicação que é dispensada no SNS. Medida avança já este ano”.

O desenvolvimento da notícia avança que a medida coincidirá com a mudança de tutela, como acima se referenciou e terá resultado da denúncia de médicos. E vem em defesa da diferenciação o bastonário da OM alegando – e bem – que o beneficiário da ADSE já paga a saúde duas vezes.

Ora bem, no quadro da cidadania em que me situo e na defesa dos interesses de contribuinte, tenho de protestar contra a tomada de medidas mesquinhas e contra a alegada não discriminação. Primeiro, porquê a crismação dos dentes, sendo mais óbvia a promoção da fiscalização e a punição justa de quem prevarica? Depois, se os cidadãos são mesmo iguais perante o Estado, porquê uns descontarem sobre o rendimento 11% para a segurança social e outros, em simultâneo, 11% para a CGA e 2,5% (e, se o orçamento retificativo entrar em vigor, a partir de 1 de março, 3,5%) para a ADSE? Ainda não foram os trabalhadores públicos e os pensionistas suficientemente hostilizados, e eu não sabia…

Quero dizer ao governo e aos seus intrépidos defensores que, se somos todos iguais, paguemos todos por igual; se somos desiguais em contribuição, não nos cortem o pouco de que ainda dispomos, para satisfação de um pouco de equidade, salvaguardando para todos o patamar do tratamento condigno. Pensava eu que já tinha passado o tempo em que todos éramos iguais para pagar (uns mais iguais que outros!) e todos desiguais para receber (tanto que uns acabavam na miséria ou na dependência das esmolas dos vizinhos!).

Já que não há Estado, haja Deus!