A gestão democrática das escolas e a legislação conexa

15-02-2014 01:52

A gestão democrática das escolas e a legislação conexa

Com a revolução abrilina, não obstante a arejada reforma democrática do ensino da pena de Veiga Simão (Lei n.º 5/73, de 25 de julho – lei de bases do sistema educativo), impõe-se a rutura com as estruturas do regime anterior, em consonância com a nova formulação do sistema de educação e ensino.

Essa lei instituiu a educação pré-escolar, o ensino básico (primário, com a duração de 4 anos, e preparatório, também de 4 anos), ensino secundário diversificado (de 4 anos, sendo 2 de ensino geral e 2 de ensino complementar) e superior (de curta duração, com a atribuição do grau de bacharel, ministrado em institutos politécnicos e escolas normais superiores; e de longa duração, com a atribuição do grau de bacharel, licenciado e doutor, ministrado em universidades), bem como a formação profissional e a educação permanente. Na sequência dessa lei, é publicado o decreto-lei (DL) n.º 513/73, de 10 de outubro, que altera as estruturas administrativas dos estabelecimentos de ensino preparatório e secundário, que ganham “autonomia administrativa, sem prejuízo das disposições gerais sobre a contabilidade pública e da superintendência a exercer pela Direção-Geral da Administração Escolar” (art.º 1.º). Por sua vez, o art.º 2.º consagra como “órgãos de direção administrativa dos estabelecimentos o diretor ou o reitor (nos liceus) e o conselho administrativo”. Este é composto pelo diretor /reitor, que preside, e dois vogais (um professor do quadro designado pelo Diretor-Geral da Administração Escolar, ouvido o presidente, e o chefe de secretaria que exerce o cargo de secretário.

A implementação da Lei 5/73 é surpreendida na fase embrionária de seu desenvolvimento pelo “25 de Abril”. Por isso, embora alguns dos itens do modelo que ela consagrava (não avaliado nem sequer testado) tenham servido de base a estudos posteriores e sido transferidos para opções estruturantes da reforma surgida da revolução, nunca se pôde saber a que poderia conduzir, dada a sua incongruência com o sistema político-social vigente, tanto antes como depois.

No contexto pós-revolucionário, temos que distinguir dois momentos: o momento pré-constitucional (das comissões de gestão ao conselho diretivo); e o momento constitucional, o da consolidação dos diferentes órgãos de gestão (conselho diretivo, conselho pedagógico, com seus órgãos de apoio, e conselho administrativo). O primeiro resulta da dinâmica revolucionária que desencadeia, na sociedade, a onda libertadora de tensões acumuladas durante décadas, que se propaga rapidamente às escolas, alterando significativamente o seu devir e mesmo o do sistema educativo. O primeiro sinal de rutura é dado, ainda com o golpe de estado bem fresco, embora somente para o ensino superior, com a publicação do DL n.º 176/74, de 29 de abril, da Junta de Salvação Nacional, a exonerar as autoridades académicas do tempo de M. Caetano.

O DL n.º 221/74, de 27 de maio, do governo provisório, com vista a “apoiar as iniciativas democráticas tendentes ao estabelecimento de órgãos de gestão que sejam verdadeiramente representativos de toda a comunidade escolar” (vd preâmbulo), determina que a sua direção possa ser confiada, pelo Ministro da Educação e Cultura (MEC), a comissões democraticamente eleitas ou a eleger depois de 25 de abril (vd art.º 1.º). Estas comissões de gestão “escolherão entre os docentes um presidente que as representará e assegurará a execução das deliberações coletivamente tomadas” (art.º 3.º). Este decreto, que é promulgado por necessidade de controlo dos acontecimentos, verificada a validade da experiência conseguida e com vista a garantir a participação de outros agentes interessados na ação educativa, dá lugar ao DL n.º 735-A/74, de 21 de dezembro, que estabelece o novo ordenamento da administração e gestão das escolas, em que a comissão de gestão dá lugar ao conselho diretivo [integrado por representantes dos professores, dos alunos (só em escolas secundárias) e do pessoal administrativo e auxiliar]. Este conselho é coadjuvado por um conselho pedagógico, cuja presidência cabe ao presidente do conselho diretivo, que preside também ao conselho administrativo.

O mesmo DL garante que o MEC “apoiará a criação de associações de pais e encarregados de educação dos alunos dos estabelecimentos dos ensinos preparatório e secundário”, devendo os conselhos diretivos dos respetivos estabelecimentos manter estreitos contactos de cooperação, em assuntos de interesse comum, com as ditas associações (vd art.º 38.º). Por outro lado, o art.º 39.º estabelece que o regime deste diploma “vigorará, a título experimental, durante o ano escolar de 1974-1975”, sendo “obrigatoriamente revisto até 31 de agosto de 1975”. Por sua vez, o despacho n.º 40/75, de 8 de novembro, aprova o regime de gestão da escola primária, cabendo a direção, em escola com mais de dois lugares, ao diretor, eleito e coadjuvado pelo conselho escolar (formado pelos docentes), e ao encarregado de direção, nas outras.

Entretanto, é promulgada, a 2 de abril de 1976, para entrar em vigor a 25 de abril, a Constituição da República Portuguesa e, porque o DL n.º 735-A/74, de 21 de dezembro, nunca foi revisto, contra o que ele próprio determinava, os conselhos diretivos mantêm-se em funções ou, em caso de demissão, cedem lugar à figura do encarregado de direção. E já na vigência da Constituição e no mandato do I governo constitucional, é elaborado e promulgado o DL n.º 769-A/76, de 23 de outubro, que aprova o regime de gestão dos estabelecimentos de ensino preparatório e secundário. Trata-se de ato legislativo do governo produzido no uso da autorização conferida pela Lei n.º 4/76, de 10 de setembro, que deplora o vazio legislativo pelo não cumprimento do estipulado no diploma anterior sobre a matéria e tenta, no aproveitamento da experiência alcançada, articular o fator democrático com o fator disciplinador e credibilizador das organizações escolares (vd preâmbulo). Fica inaugurado o momento constitucional.

O novo diploma assume a continuação do acolhimento dos modelos participativos, como sendo a melhor alternativa a qualquer modelo autocrático, já que têm como objetivo uma diferente e mais lata distribuição do poder e da autoridade das organizações. A lógica da participação, garantindo que todas as partes interessadas estejam representadas, podendo participar nas decisões, consagra e estimula a expressão dos indivíduos. Assim, adotam-se princípios e estruturas de gestão participada nas escolas, com foco nos professores e só em menor grau nos outros trabalhadores não docentes e nos alunos, mas sem que existam mecanismos consolidados de descentralização da administração, reconhecimento da autonomia das escolas e participação dos pais e de outros representantes da comunidade. Tal situação, em que a maioria dos representados são os docentes, é a que sustenta o DL ora em causa e subsequente legislação subsidiária.

O decreto em apreciação pretende consolidar a experiência do modelo de “gestão democrática” introduzida após 1974, despindo-o da carga revolucionária. Aparecem aplicações de fórmulas democráticas de eleição e de participação resultantes da situação social e política, onde emerge a consolidação da democracia representativa consubstanciada na Constituição, tendo sido banidos quaisquer laivos de manifestação de democracia direta. Por alguma razão, o diploma é acusado de défice democrático por alguns setores de opinião. No “modelo” de base que o sustenta, a participação e a eleição têm como intervenientes os membros da comunidade escolar: professores, alunos e funcionários, com larga maioria do corpo docente.

A dimensão participativa é institucionalizada através de eleições e de órgãos colegiais de decisão (conselho diretivo, conselho pedagógico e outros órgãos de gestão intermédia, designadamente conselhos de grupo/disciplina presididos pelos delegados, conselhos de turma presididos pelos diretores de turma e conselhos dos diretores de turma presididos pelos coordenadores), como consequência das exigências democráticas de participação dos membros da escola nos seus órgãos de direção e gestão.

O DL de 1976 surge, sem serem avaliados os resultados da experiência da aplicação do normativo anterior, mas mantém os órgãos de gestão nele estatuídos e é prevista a sua aplicação a todas as escolas dos ensinos preparatório e secundário até 31 de dezembro de 1976 – o que nem sempre aconteceu, continuando os casos de gestão entregue a encarregado de direção.

À luz do novo diploma, o conselho diretivo é constituído por 3 ou 5 docentes (conforme o número de alunos da escola), 2 representantes dos alunos e 1 representante do pessoal não docente. São criados os cargos de presidente, vice-presidente e secretário, designados de entre os docentes que integram o conselho, que serão eleitos pelo respetivo pessoal, devendo os detentores do primeiro e do segundo dos cargos ser professores profissionalizados. A representação dos alunos verifica-se apenas nas escolas do ensino secundário (que se iniciava no 7.º ano de escolaridade – do curso unificado de 3 anos) em que são ministrados cursos complementares (10.º e 11.º anos, e mais tarde, o 12.º), sendo os seus representantes eleitos pelos delegados de turma, através de lista que tem de ser proposta, no mínimo, por dez deles. Do mesmo modo, a representação do pessoal não docente verifica-se através de processo eleitoral. O conselho pedagógico é constituído pelo presidente do conselho diretivo, que acumula a sua presidência, pelos delegados de grupo/disciplina, pelo coordenador dos diretores de turma, delegados dos alunos e pelos representantes dos pais e encarregados de educação (cuja atividade é regulamentada pela Lei n.º 7/77, de 1 de fevereiro).

Porém, o funcionamento do conselho diretivo só é regulamentado com a publicação da portaria n.º 677/77, de 4 de novembro, que especifica as atribuições do conselho diretivo, como órgão deliberativo, bem como as competências de cada um dos seus membros. E o do conselho pedagógico e seus órgãos de apoio só é regulamentado pela Portaria n.º 679/77, de 8 de novembro. O conselho administrativo mantém a composição e competências estabelecidas nos diplomas anteriores.

Legislação posterior vem estabelecer: as diligências a desenvolver, na impossibilidade de realização do processo eleitoral para o conselho diretivo (despacho n.º 129/78, de 7 de junho); a redução da componente letiva dos membros dos conselhos diretivos (portaria n.º 691/76, de 19 de novembro) e dos membros das comissões instaladoras (Desp. n.º 379/76, de 29 de dezembro); a regulamentação da constituição de comissões instaladoras dos estabelecimentos de ensino preparatório e secundário (Pta. n.º 561/77, de 8 de setembro); a fixação das datas de eleição e posse do conselho diretivo e exigência de haverem solicitado a recondução os elementos que não sejam dos quadros (DL n.º 157/78, de 1 de julho); a regulamentação dos pedidos de resignação de membros de comissões instaladoras ou de conselhos diretivos (Desp. n.º 188/79, de 18 de julho); a nova regulamentação do funcionamento e atribuições dos conselhos pedagógicos e seus órgãos de apoio (Pta. n.º 970/80, de 12 de novembro).

Como se vê pelo exposto, a fixação da gestão democrática resulta de longo processo forjado na paciente atenção à realidade, marcada pelas vicissitudes da formação e colocação de professores, da criação de novos estabelecimentos e da criação e desenvolvimento de novas organizações.

Enfim, com a 1.ª e profunda revisão da Constituição, operada pela lei constitucional n.º 1/82, de 30 de setembro, a gestão democrática envereda paulatinamente por novo rumo cujo lastro fundamental é a consagração da autonomia (reconhecida, aprofundada e progressivamente contratualizada, embora nem sempre conseguida) das organizações escolares com base no recém-constituído princípio da participação democrática no ensino explicitado no ora art.º 77.º, na sua já comentada dupla vertente:

“1. Os professores e alunos têm o direito de participar na gestão democrática das escolas, nos termos da lei; 2. a lei regula as formas de participação das associações de professores, de alunos, de pais, das comunidades e das instituições de caráter científico na definição da política de ensino”.

Neste quadro constitucional há de resultar a nova lei de bases do sistema educativo, o primeiro contraponto coerente e organicamente estabelecido à lei de Veiga Simão, que levará ao desenho de novos percursos, a que viremos noutra ocasião. As palavras de ordem serão “autonomia” e “parcerias”.