A Imaculada Conceição na História de Portugal e da Igreja

08-12-2013 23:30

 

As nações sobrevivem à erosão do tempo e afirmam-se vivas na história dos povos se prosseguirem na fertilidade que lhes vem da sua espiritualidade e cultura. A diluição espiritual e cultural de um povo significará inevitavelmente a perda da sua identidade e a sua redução a um hoje sem futuro.

Na História de Portugal assinalam-se dois altos momentos na recuperação da soberania: a Revolução 1383-1385 e a Restauração de 1640. No primeiro, salienta-se o cerco de Lisboa, que, após cerca de cinco meses de duração, terminou em nos começos de setembro de 1384, acentuando-se durante o assédio o significado da vitória alcançada por Nuno Alvares Pereira em Atoleiros, a 6 de abril de 1384, e a eleição do Mestre de Avis para Rei de Portugal, curiosamente um ano depois a 6 de abril de 1385, nas Cortes de Coimbra. Posteriormente, em 15 de agosto, travou-se a Batalha de Aljubarrota, sob o comando de Nuno Alvares Pereira, símbolo da vitória e da consolidação de todo aquele processo revolucionário. Por seu turno, no movimento da restauração destaca-se a coroação de D. João IV como Rei de Portugal, a 15 de dezembro de 1640, no Terreiro do Paço em Lisboa.

A égide da Imaculada Conceição liga estes dois acontecimentos decisivos na História da independência de Portugal, no contexto das nações europeias. Segundo secular tradição foi o condestável Nuno Alvares Pereira, hoje São Nuno de Santa Maria, quem fundou a Igreja de Nossa Senhora do Castelo, em Vila Viçosa, e ofereceu a imagem da Virgem Padroeira, adquirida na Inglaterra. Este gesto do Contestável reconhece que a mística que levou Portugal à vitória veio da devoção do povo a Nossa Senhora da Conceição. Quanto ao segundo momento revolucionário, há que recordar que, nas cortes celebradas em Lisboa, no ano de 1646, declarou el-rei D. João IV que tomava a Virgem Nossa Senhora da Conceição por padroeira do Reino de Portugal, prometendo-lhe, em seu nome e dos seus sucessores, o tributo anual de 50 cruzados de ouro e ordenando que os estudantes na Universidade de Coimbra, antes de tomarem algum grau, jurassem defender a Imaculada Conceição da Mãe de Deus. E o gesto que o mesmo monarca assumiu ao coroar a Imagem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa como Rainha de Portugal sublinhou a lídima espiritualidade que brotava desta devoção a Nossa Senhora.

Mas, já desde os primórdios da nacionalidade, quando da conquista de Lisboa por D. Afonso Henriques, havia sido celebrado um pontifical de ação de graças, em Lisboa, em honra da Imaculada Conceição.

De tal modo a Imaculada Conceição carateriza a espiritualidade dos portugueses, que, durante séculos, o dia 8 de dezembro foi celebrado como "Dia da Mãe" e João Paulo II incluiu no seu inesquecível roteiro da Visita Pastoral de 1982 dois santuários que unem o Norte e o Sul de Portugal: Vila Viçosa, no Alentejo; e o Sameiro, no Minho.

É pertinente esclarecer que o dia 8 de dezembro transcende o "Dia Santo" dos católicos e engloba indubitavelmente a comemoração da Independência de Portugal, que o dia 1 de dezembro retomou. O feriado do dia 8 de dezembro é religioso, mas é também celebrativo da cultura, da tradição e da espiritualidade da identidade e da alma da pátria.

Não menos importante será referir que, em âmbito religioso e litúrgico, o tema da Imaculada Conceição da Virgem Maria é já abundantemente abordado pelos Padres da Igreja. Será o Oriente cristão o primeiro a celebrá-la. E a festividade chega à Europa Ocidental e ao continente europeu pelas mãos das cruzadas Inglesas nos séculos XI e XII. Vivamente celebrada pelos franciscanos a partir de 1263, será o também franciscano Sixto IV, Papa, que a inscreverá no calendário litúrgico romano em 1477, após uma caminhada de discussão teológica. É que a Igreja ocidental, que sempre amou inefavelmente a Santíssima Virgem, tinha uma certa dificuldade na aceitação do mistério da Imaculada Conceição. Assim, em 1304, o Papa Bento XI reuniu na Universidade de Paris uma assembleia dos doutores mais eminentes em Teologia, para terminar as questões de escola sobre a Imaculada Conceição da Virgem. Foi o franciscano João Duns Escoto quem solucionou a dificuldade ao mostrar que era sumamente conveniente que Deus preservasse Maria do pecado original, pois a Santíssima Virgem era destinada a ser mãe do Seu Filho. Isso é possível para a Omnipotência de Deus, portanto, o Senhor, de facto, preservou-a, antecipando-lhe os frutos da redenção de Cristo.

Rapidamente a doutrina da Imaculada Conceição de Maria, no seio de sua mãe Santa Ana, se consolidou e a introdução da sua festividade no calendário romano se revestiu de maior sentido. E chegaram momentos de confirmação dessa caminhada teológica e espiritual. A Virgem Maria apareceu em 1830 a Santa Catarina Labouré pedindo que se cunhasse uma medalha com a oração: “Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós”. Em 8 de dezembro de 1854, viveu a Igreja o auge de toda esta riqueza teológica e celebrativa: através da bula Ineffabilis Deus, Pio IX, após consulta aos bispos do mundo, definiu solenemente o dogma da Imaculada Conceição da Virgem Maria.

A própria Virgem Maria, na sua aparição em Lourdes, em 1858, confirmou a definição dogmática, estribada na sistematização teológica marial e na fé do povo, dizendo para Bernadette Soubirous: “Eu Sou a Imaculada Conceição”.

Não estamos diante de uma simples festa cristã ou de capricho religioso. O dogma resulta de tudo quanto a Igreja viveu até aqui e vive hoje em toda a sua plenitude e faz parte da sua identidade, contaminadora de pessoas, povos e culturas.