Convergência do regime de proteção social da função pública com o regime geral

24-11-2013 15:55

          A Assembleia da República aprovou com a legitimidade que lhe assiste o DECRETO N.º 187/XII, de cujo título faz parte o segmento referenciado em epígrafe e que o PR remeteu ao TC. Sem me perder em considerações de índole política nem de natureza técnico-jurídica, em nome da porção de cidadania que me cabe, a menos que esta seja obrigatoriamente considerada meramente virtual, oferece-se-me tecer algumas considerações sobre a suposta convergência de regimes de proteção social:

1.      Como alguns poucos comentadores têm afirmado – e bem – não se deve comparar o que não é comparável. Pelo que não parece haver possibilidade de proceder a um regime de convergência justo do atual regime de proteção social da função pública com o regime geral da segurança social, mas estabelecer regime único a valer exclusivamente para os funcionários da administração pública que entraram ao serviço da mesma após o cancelamento das inscrições na caixa geral de aposentações. Isto, em nome da não retroatividade das leis e dos seus efeitos. De resto, as alterações legislativas operadas depois de 2005 mais parecem um ajuste de contas contra eventuais e reais abusos ocorridos anteriormente e a que ainda não se conseguiu pôr cobro na totalidade.

2.      Sobre abusos, embora a coberto da lei, refiro, apenas a título de exemplo: o pedido de transferência aceite de alguns funcionários para lugares de maior movimento de serviço, nos previsíveis últimos anos de serviço com o fito de engrossamento da pensão de aposentação, em virtude da acumulação de vencimento com importâncias com ele percebidas e contabilizáveis como vencimento; regime especial de educadores e professores do primeiro ciclo; subvenção vitalícia por exercício de cargos públicos e/ou aposentação antecipada e, muitas vezes, com tempo a contar em duplicado por exercício de cargos públicos ou de alta administração em empresas públicas e similares, nem sempre com o correspondente regime contributivo.

3.      É meridianamente percetível que regimes de salário diferentes não podem dispor de regime de proteção social exatamente igual. Justifico-o, também a título de mero exemplo:

a)      Os trabalhadores da administração pública não tinham direito ao subsídio de desemprego nem a indemnizações por rescisão amigável;

b)      A alegada segurança no emprego era para os trabalhadores da administração pública, como se sabe, excecionada pela exoneração ou pela aposentação compulsiva em caso de pena proporcionada a infração disciplinar ou de extinção do posto de trabalho (lembro-me, para o segundo caso, do exemplo dos trabalhadores da antiga comissão reguladora do comércio de bacalhau), para já não falar nos sucessivos regimes de mobilidade tantas vezes aviltantes;

c)      Muitos dos pedidos de exoneração e de licença sem vencimento de longa duração, tecnicamente da iniciativa do trabalhador da administração pública, eram muitas vezes induzidos pela criação de desconforto propositadamente originada pela administração (a lei, a par da aposentação ou da rescisão, impunha a licença sem vencimento em determinados casos de doença demasiado prolongada – cf DL n.º 100/99, de 31 de março);

d)     Por mais descontos que houvesse no vencimento ou situação de não comparência justificada ao serviço (doença, doença profissional ou acidente de serviço, maternidade) por parte do trabalhador da administração pública, o desconto para a CGA e para a ADSE era feito pela totalidade do vencimento ilíquido, bem como a mensal retenção na fonte para o IRS – o que não acontece com o trabalhador abrangido pelo regime geral de segurança social;

e)      Os trabalhadores da administração pública descontam sempre sobre o seu vencimento mensal 11% para a CGA (que só lhes responde com a pensão de aposentação e eventualmente com a pensão de sobrevivência) e 2,25% (2,5% a partir de 2013.01.01) para a ADSE (que lhes responde unicamente, embora mal, com a assistência na doença) – ao passo que os trabalhadores abrangidos pelo regime geral de segurança social só descontam 11% para a segurança social (que lhes responde, embora mal, com a pensão de reforma, com a pensão de sobrevivência, com o subsídio de desemprego, com a assistência na doença, acidente de serviço e outras prestações);

f)       Os trabalhadores da administração pública nunca puderam fugir aos impostos nem à declaração contributiva divergente da perceção salarial – o que parece estar atualmente mais corrigido nos outros setores.

4.      Já não refiro – o que tantas vezes é propalado – que o Estado não tem contribuído para a CGA com o desconto equivalente ao das entidades patronais sobre o vencimento de cada trabalhador, mas não posso deixar de referir que, se é legitimo que o Estado tenha deixado de cumprir periodicamente com as suas alegadas obrigações, tenha acabado com o Fundo de Desemprego, tenha autorizado a Segurança Social a comprar dívida pública e tenha obstruído a novas inscrições na CGA e na ADSE, também lhe é exigível que se responsabilize pelas consequências orçamentais de suas decisões e de suas desobrigações.

Pelo que fica exposto, ao contrário de muitos opnion makers, reafirmo a ilegitimidade de forçar a convergência a que os poderes, a meu ver, se arrogaram indevidamente. Não descarto, no entanto, uma contribuição solidária como a que está estabelecida recentemente, desde que devidamente justificada, sem a proscrição do trabalhador da administração pública, claramente universal e com um horizonte temporário curto e suficientemente definido.