Em memória de Eusébio

06-01-2014 19:47

Em memória de Eusébio

Este ponto de viragem, do Eusébio um como nós no mundo dos mortais para o Eusébio do reino da esperança, que aguardamos e que nos espera a todos, é marcado pela euforia da gente sincera que chora, reflete e se mostra como fã, admiradora, solidária e cultora da pessoa viva e vivificante.

A vida do símbolo do futebol, um dos pontos mais excelso da fina flor da alma da Pátria, fica para o porvir como o quadro humano de referência da confraternização – sublimidade no esforço, excelência na conquista e sagaz congraçação de vontades. É a memória coletiva a aprender do homem simples, do mito que não morre, porque não veio de cima, não teve de ser fabricado à pressa ou à pressão.

Foi dito Urbi et Orbi pelo Presidente do SLB que os mitos não devem morrer e por um dos também jogadores menos antigos que os mitos não morrem. Este não caiu do céu, não veio da realeza nem da nobreza; fez-se, por entre as angustas agruras da pobreza e do regime fechado que permitia o suspiro forte e fundo através de algumas modalidades de desporto, a partir da simplicidade de almas genuínas na conversação moçambicana; e invadiu a Lisboa fervilhante, onde aceitou o lugar de relevo que lhe entregou quem nele apostou com fé desportiva e, de meio campo, fazia hábil e seguramente a distribuição da esfera rolante ora saltitante, sempre que possível para aquele dos avançados que, a princípio, na simplicidade do acolhimento, e, mais tarde com toda a mestria que soube construir, rumo ao sucesso. E este sucesso concretiza-se no êxito desportivo de um clube e, consequentemente, leva à glorificação de uma pátria e constitui uma singular rampa de lançamento para a dignificação do orbe, mediante aquela atividade que tanto tem de jogos de fora do campo como é capaz de juntar as pessoas e os povos na relação da paz, tantas vezes bem sofrida, mas que, à sua maneira, testemunha a fraternidade e promove a universal confraternização.

Dizia-se que este mito foi perfilhado pelo povo que não subsiste sem mitos; e, quando os não tem, os constrói para garantia de futuro enraizado na memória e a viver do presente. Este é autenticamente do povo e fica do povo que o aceita, assume, vive e torna futuro.

Não é, por isso, de estranhar que de todas as camadas sociais, de todos os grupos desportivos, de todos os quadrantes políticos se tenha mobilizado em crescendo aquela massa enorme cujos grãos não perdem a individualidade, o sentir e o pensar e se tenha feito sentir ostensivamente, mas genuinamente, aquela liturgia desportiva em que nos foi dado participar. É uma liturgia grandiosa – feita de singulares sinais, símbolos, gestos e palavras – tão eloquente como a militar, que alguém, no terceiro quartel do século passado, dizia ser talvez mais atraente que a eclesiástica.

É assim que ora se rende homenagem ao rei imorredouro do desporto de massas e se pede aos portugueses, “que por obras valerosas se vão da lei da morte libertando”, não renunciem à esperança de novos tempos, por mais que a mediocridade que nos vem tentando definir o destino no-la queira minorar ou mesmo arrebatar.