Inanidade de uma comunicação

02-01-2014 15:32

Inanidade de uma comunicação

Fonte oficial do Palácio de Belém esclareceu que o Presidente da República não remeteu para o TC (Tribunal Constitucional) o diploma que aprova o Orçamento do Estado para 2014, promulgado, referendado e publicado a 30 de dezembro e posto em vigor desde ontem, 1 de janeiro, pelo facto de os pareceres não apontarem para a inconstitucionalidade de qualquer de suas normas.

Tal informação tem de ser considerada inútil e inane, pois, se é certo que a CRP (Constituição da República Portuguesa), estabelece que o PR pode submeter à apreciação preventiva do TC qualquer diploma que lhe suscite dúvidas fundadas de constitucionalidade e se o órgão de soberania Presidente da República é unipessoal, também é certo que a CRP não lhe veda a possibilidade de consultar quem quer que seja, até porque a orgânica da Presidência da República dispõe de uma não diminuta plêiade de conselheiros e assessores distribuídos pela Casa Civil e pela Casa Militar. Dizem mesmo as más-línguas que os serviços ficam bastante mais caros que os da casa real espanhola. Por outro lado, as condições básicas para um cidadão se alcandorar à Presidência da República são minimalistas: ser cidadão português, estar no efetivo gozo dos direitos cívicos e políticos e ter atingido a idade de 35 anos, não se lhe exigindo, assim, qualquer competência específica em algum ramo do saber.

Por isso, ninguém estranha que Sua Excelência se muna prudentemente de todos os pareceres que lhe permitam tomar uma decisão plausível ou, pelo menos aceitável, por mais solitária que seja a sua natureza. Donde a inanidade da supramencionada comunicação, aliás análoga a esclarecimentos bem despropositados e aparentemente emotivos do Presidente, a não ser que se trate de mais uma forma de pressão ténue sobre uma possível decisão do TC em caso de pedido de fiscalização sucessiva por parte de quem tenha poderes constitucionais para tanto. Ou será que, das outras vezes, os sinais de inconstitucionalidade eram tão inequívocos que os juízes constitucionais só julgaram da não inconstitucionalidade das normas cuja fiscalização lhes foi solicitada para contrariarem os conselheiros do Presidente? Creio não dever acreditar nesse tipo de caprichos da autoridade de justiça constitucional!

Quanto às minhas dúvidas da constitucionalidade do orçamento, seja-me permitido produzir também uma reflexão inane. Pouco me importa que alguém, mesmo que seja S. Ex.cia Rev.ma o senhor patriarca de Lisboa, acredite que não será necessária qualquer fiscalização da constitucionalidade da lei do orçamento, embora reconheça a importância e justeza do movimento gerado em torno de tal matéria. Depois, estranha-se que a hierarquia da Igreja, mesmo que se trate somente da posição do bispo de Lisboa, apareça aos olhos dos desfavorecidos como bastante asténica! Quem já leu o diploma orçamental certamente que não vai pedir àqueles que não têm dúvidas sobre a constitucionalidade das normas que devolvam aos prejudicados a diferença entre o rendimento percebido durante o ano de 2013 e o percebendo em 2014, seja ele proveniente de vencimento de funcionário público seja resultante da pensão de reforma, aposentação ou sobrevivência (sobretudo no caso de quem aufere um rendimento magro e único). Também não se lhes exige a devolução da diferença entre o montante do anterior imposto único de circulação e o atual, bem como a diferença de taxa moderadora ou de descontos para a ADSE. Nem se lhes aconselha a travagem da alta de preços ora inaugurada sem termo à vista, bem como a paragem do anunciado desmantelamento estruturas e de serviços ou da sua entrega a privados, sem as necessárias cautelas.

Depois, com que legitimidade nos vêm prometer o reforço da economia, com as visíveis restrições ao consumo, ou a saída da crise e a libertação das malhas protetorais europeias?

E se o TC, segundo os críticos, deve julgar a bondade constitucional das leis de acordo com o contexto em que o país vive, peçam-lhe que a julgue também tendo em conta o desaparecimento de dinheiros públicos face à má vigilância das entidades controladoras e a ineficácia da justiça ou a prescrição de dívidas fiscais, a corrupção ou a fuga aos impostos, a perceção de rendimentos obscenamente chorudos e a candidatura indevida a alguns benefícios sociais que fazem falta a outrem…