Memorial do Convento

29-11-2013 23:54

 

 

O romance de José Saramago pretende ser uma narrativa histórica que visa dar uma visão multifacetada da construção da História. Habitualmente escrita na perspetiva dos grandes eventos e da liderança de figuras carismáticas que surgem em todos os tempos, aqui a História resulta do contributo de muitos, sobretudo anónimos e pequenos, totalmente explorados. Se os grandes eventos ou as grandes obras resultam da visão de grandes líderes ou de circunstâncias excecionais, não é menos verdade que nada se construiria sem a comparticipação do homem comum, sem a sua força braçal, sem os impostos que lhe são cobrados e sem os meios técnicos disponíveis em cada época.

O autor tenta repor esta parte mais esquecida da verdade histórica. Assim, o romance tem várias linhas narrativas como as que se seguem, retiradas da contracapa do livro e todas elas iniciadas pela popular expressão de contar “era uma vez…”:

Era uma vez um rei que fez promessa de levantar um convento em Mafra.

Era uma vez a gente que construiu esse convento.

Era uma vez um soldado maneta e uma mulher que tinha poderes.

Era uma vez um padre que queria voar e morreu doido.

Era uma vez….

O rei megalómano sonhava ter em Portugal uma réplica da sumptuosa basílica de S. Pedro em Roma e, folgazão como era, divertia-se com os camareiros a fazer a sua maqueta tipo puzzle. Por outro lado, um rei tão produtivo na relação amorosa com outras mulheres, sobretudo as freiras de Odivelas, de que resultaram filhos, não conseguia, por mais que o tentasse, que a rainha lhe desse um filho que lhe pudesse suceder no trono.

Eis que surge a promessa vinda do céu de que a rainha lhe daria um filho se ele se comprometesse a mandar construir um convento de franciscanos em Mafra! Se bem o jurou solenemente, melhor o fez mobilizando coercivamente, em todo o reino, a força bruta do trabalho, obrigando todos a tudo, bem como disponibilizando, para o efeito, todo o ouro vindo do Brasil, fazendo ouvidos surdos à crise agrícola, nomeadamente no capítulo dos cereais, que se fazia sentir cada vez mais. O que interessava é que fosse ele a proceder à sua inauguração.

De entre as camadas populares que contribuíram com a sua força para a fabricação do monumento, destaca-se um casal, ele mutilado da guerra, ela com poderes de vidente. Na dureza do dia a dia conseguem realizar uma relação amorosa autêntica, fruto da simplicidade de vida e alimentada pela vivência comum das circunstâncias difíceis.

É este casal que vai coadjuvar o padre doido que intentou construir uma máquina de voar, objeto da chacota da corte, a par da protecção do rei curioso dos novos saberes.

Entretanto, persistem os eventos culturais para distração do rei e sua corte e os famigerados autos de fé, momentos de espetáculo do agrado popular e de castigo dos hereges. Foi nestes autos de fé que a vidente perdera a mãe e virá a perder o seu “mais que tudo”.