O país do absurdo

13-01-2014 13:46

O país do absurdo

Ao ler, no semanário O Diabo, do passado dia 7 de janeiro, um artigo do tenente-coronel piloto-aviador Brandão Ferreira, dei comigo a interrogar-me se o Portugal de Afonso Henriques, Dom João II, Carmona e Cavaco Silva não se terá transformado numa floresta de absurdos.

O militar referido, cuja tendência política não me apraz discutir, ensina que usualmente na hierarquia das forças armadas e/ou de segurança (não o sigo ipsis verbis), quando uma personalidade exerce cargo cimeiro de comando e direção e, por motivos diversos, tem de cessar funções, passa à situação de reserva ou equivalente, ou seja, não vai desempenhar funções em patamar inferior. Tal, porém, não sucedeu com o diretor nacional da PSP na sequência da sua demissão ocasionada pela escalada da escadaria de acesso ao Parlamento por parte dos agentes policiais aquando da sua megamanifestação. Foi, antes, ocupar um lugar criado em Paris – há quem diga que ajeitado adrede apara si. E esclarece o distinto oficial da Força Aérea que tal situação decorre do facto de ter havido, em tempos, o propósito de inviabilizar a permanência de oficiais provenientes das forças armadas no comando da PSP – o que terá dado como resultado que os oficiais da PSP formados na escola superior de polícia não dispuseram de tempo que abonde para que possam chegar aos escalões superiores com a consecução da idade mais adequada. Contudo, tal não quererá dizer por si só que não desempenhem os cargos com profissionalismo e correção, só que – digo eu – podem esgotar a carreira em tempo demasiado curto para que possam ser “emprateleirados” em momento plausível.

A leitura do artigo em causa subordinado ao título “o delírio na segurança e na defesa” trouxe-me à colação outras decisões governativas e parlamentares esquisitas e de consequências nada incontroversas. Recordo algumas, meramente a título de exemplo.

Na década de 90 do século anterior, a famosa lei dos coronéis que, num primeiro momento, o então Presidente Mário Soares vetou, levou à reserva e à reforma antecipadas uma tal avalanche de oficiais que o Ministério da Defesa Nacional se obrigou a tornar a recrutar alguns para assegurar o funcionamento dos serviços, já que a experiência dos civis era fraca ou nula, na matéria.

Na mesma década, embora com resultados verificáveis já na primeira década deste milénio, por pressão das Jotas, nomeadamente da socialdemocrata, foi abolido o serviço militar obrigatório e o sistema normal passou ao do regime de contrato, com a institucionalização do Dia da Defesa Nacional e a isca da criação de cursos profissionais em ambiente militar. Ora, verificou-se que nem a vocação militar voluntária se consolidou nem o orçamento da Defesa se quer dar ao luxo de gastar dinheiro com a defesa razoável. Temos uma defesa mais exígua que o “Estado exíguo” e vamos cumprindo garbosamente as ditas missões internacionais de paz.

O periódico referido tem uma peça jornalística do coronel engenheiro Eduardo Brito Coelho, sob o designativo de “indústrias de defesa (II)”, que nos dá conta da progressiva destruição (até às exéquias finais) das unidades de construção e reparação naval e das OGMA (oficinas gerais de material aeronáutico). E diz o insuspeito engenheiro militar que, tendo começado por substituir, na gestão daqueles campos de atividade, as pessoas experientes por “por ‘boys’ e amigos”, tal se deve “às opções de fundo e às orientações profundamente erradas, que ditaram, ao longo dos últimos anos, que tudo se fosse perdendo ao nível de capacidades e de importantes setores fabris” e se estabelecesse o quadro económico e social patente aos olhos de todos.

Agora, ao olharmos para a Noruega e a Suíça com enorme painel de fortes indústrias e de excelência no âmbito da defesa, diz o coronel que “o caso da brasileira EMBRAER, protagonista do desenvolvimento mais promissor para o nosso país, em anos recentes, no setor da aeronáutica e da defesa, dá-nos algum alento”. Pena é, segundo julgo, que o alento tenha de vir do estrangeiro, ainda que alegadamente amigo.

Mas não podemos esquecer a subsidiodependência em relação aos “eurofundos”, sobretudo àqueles que deram em deitar poeira para os olhos e mesmo aplicação fraudulenta, para não falarmos dos que incentivavam a cessação da produção e até o arranque de árvores fruteiras. E foi nessa onda de implantação – sem resultado consolidado, até porque a praga incendiaria, agora de época excessivamente prolongada, não nos deixa postos em sossego – da grande reserva florestal neste canteiro à beira mar, que se destruiu a agricultura, as marinhas (mercante, comercial, de guerra e de pesca, pois, mais não havia), o comércio local. Ficou-nos o consolo de oferecer sol, praia e ar puro, conspurcado pelo fumo, em regime de asilo a velhos a quem jovens simpáticos iriam servindo guloseimas e bebidas em bandejas tão graciosa como móveis. Só que veio a troika estrangeira (FME, EU, BCE) chamada pela portuguesa troika (PS,PSD, CDS) e obedecida pela maioria governativa (troika menos um), apesar das irrevogáveis linhas vermelhas que se iam definindo. E o “pouco ajustamento e muita dor”, por causa da “terapia inexperiente por gestão pouco competente (Presidente do CES dixit) retiraram-nos dinheiro por todas as vias, deram cabo da classe média, ofuscaram o futuro da vida e do trabalho. E instalou-se a desconfiança e a inveja: combate ao funcionário público, cerceamento das condições de vida de reformados e aposentados, sobrecarga de funções do trabalhador público, proscrição dos mais experientes e mais antigos, encerramento de serviços, venda a privados do pouco serviço público que existia, degradação da escola pública e dos serviços públicos de saúde e progressiva entrega a privados.

Por fim, depois de tudo isto, acenam-nos absurdamente com um futuro de progresso, um Estado reformado (agora, recalibrado!) e apregoam-se os inesgotáveis recursos marinhos, a agricultura, o turismo, a internacionalização, o emprego!

E os que não acertavam uma seguiram o exemplo daqueles que por eles tinham sido aconselhados a emigrar, mas depois de terem cumprido a missão ao serviço dos “credores”, abandonado que foi a capacidade de negociação e o esquema mutualista: Vítor, para o FMI; Álvaro, para a OCDE; e José Luís para a Goldman Sachs, como já o tinha feito, por exemplo, Catroga e Cardona para a EDP dos chineses. E Sócrates regressou de Paris, depois de estudar Filosofia ou Ciência Política (perdoem-me que eu já não sei bem), e, num contexto de selvajaria pandémica de capitalismo desenfreado, vem dissertar sobre a confiança no mundo! Parece que Tó Seguro não terá apreciado seguramente…

E ainda me dizem que este é o país de Dom Afonso III, o que chegou ao Algarve!