O Papa Paulo VI

21-01-2014 15:40

O Papa Paulo VI

Parece-me necessário um apontamento sobre este pontífice italiano, o penúltimo até hoje, cujos gestos e ensinamentos ou ficaram pura e simplesmente esquecidos ou ficaram atribuídos aos sucessores, os quais tiveram o mérito de os assumir, aprofundar e multiplicar

O papa Paulo VI , cujo nome de nascimento é Giovanni Battista Enrico Antonio Maria Montini veio à luz do dia em Concesio, na província lombarda de Brescia, a 26 de setembro de 1897, e faleceu em Castelgandolfo, a 6 de agosto de 1978. Foi o Sumo Pontífice da Igreja Católica Apostólica Romana e Soberano do Estado do Vaticano de 21 de junho de 1963 até à sua morte, sucedendo a João XXIII, que convocou o Concílio Vaticano II, para fazer entrar no metafórico edifício eclesial uma lufada de ar fresco, provocando a reformulação atualizada da doutrina em diálogo com o mundo e, em especial, com os outros cristãos.

O novo Servo dos Servos de Deus decidiu continuar os trabalhos conciliares do predecessor e promoveu assinaláveis melhorias nas relações ecuménicas com os Ortodoxos, Anglicanos e Protestantes, o que resultou em diversos encontros e acordos históricos. E a sua voz ténue, mas clara, fez dele o obreiro do Reino de Cristo, a testemunha dramática dos sofrimentos humanos, o andarilho da paz, o paladino dos direitos humanos, o profeta da esperança e o arauto da alegria do Evangelho.

Giovanni, em 1916, para se tornar sacerdote, entrou no respectivo seminário , cuja frequência se alternou com períodos de permanência em casa por motivos de saúde, mas vindo a receber a sagrada ordenação em 1920. Logo a seguir, foi para as universidade Gregoriana e de Roma, passando a frequentar, em 1922, a Pontifícia Academia dos Nobres Eclesiásticos para estudar diplomacia. Foi, por conseguinte, enviado como adjunto para a Nunciatura Apostólica de Varsóvia, mas teve de regressar a Roma, no ano seguinte, porque as invernias polacas lhe prejudicavam a saúde. No entanto, o seu talento levou-o a uma carreira na Cúria Romana, pela administração do Vaticano, começando o trabalho, de imediato, na Secretaria de Estado, onde se manteve por 30 anos.

Entretanto, acumulava funções com a docência na Pontifícia Academia dos Nobres Eclesiásticos e com as de capelão da Federação dos Estudantes Universitários Católicos Italianos, de onde estabeleceu fortes relações com os fundadores do Partido da Democracia Cristã.

Em 1937, foi nomeado Substituto para Assuntos Correntes pelo cardeal Pacelli, Secretário de Estado da Santa Sé no papado de Pio XI, que se fez acompanhar dele ao Congresso Eucarístico Internacional de Budapeste. Quando o cardeal Eugénio Pacelli foi eleito papa Pio XII, Montini manteve-se no cargo com o novo Secretário de Estado, o cardeal Maglione. Em 1944, o Secretário de Estado faleceu e o cargo foi tomado em mãos pelo próprio papa, passando Montini a trabalhar diretamente sob orientação do Sumo Pontífice, tendo-lhe sido confiado o encargo das relações exteriores e o cuidado dos refugiados políticos.

O tempo total em que Montini serviu no Departamento de Estado decorreu de 1922 a 1954. Durante esse largo lapso de tempo, este serviçal e Domenico Tardini foram considerados os colaboradores mais próximos e influentes de Pio XII. Consta que o Pontífice os quisera fazer cardeais no consistório de 1952, mas terão solicitado dispensa da aceitação do cargo, pelo que passaram ambos a deter o título de pro-secretários de Estado. Foi Pio XII quem nomeou Montini, em 1954, para a Arquidiocese de Milão, cargo que fez dele automaticamente Secretário da Conferência dos Bispos Italianos, passando a ser considerado o arcebispo dos trabalhadores.

Para alguns estudiosos da Igreja, a nomeação milanesa de Montini sustentava a intenção de o afastar do centro de decisões, em Roma. Porém, a tese que tem prevalecido é de que o papa tinha intenção de lhe proporcionar maior experiência pastoral, retirando, assim, do seu espectro o rótulo de homem de Cúria. Apesar de não ser cardeal, recebeu vários votos no conclave de 1958, que acabou por eleger como sucessor de Pio XII Angelo Giuseppe Roncalli, com o nome de João XXIII. Talvez por isso o novo papa o tenha elevado à dignidade cardinalícia ainda no consistório de 1958, o que dele fez um dos mais prováveis sucessores.

Ao ser eleito papa a 21 de junho de 1963, em razão do óbito de Roncalli, escolheu o nome de Paulo, na convicção de que tinha a missão mundial renovada de propagar a mensagem de Cristo. Retomou o Concílio Vaticano II, que fora automaticamente fechado com a morte de João XXIII e atribuiu-lhe prioridade e direção. Concluído o trabalho conciliar, Paulo VI tomou conta da interpretação e implementação dos seus mandatos, frequentemente andando sobre uma sinuosa linha entre as expectativas conflituantes de vários grupos da Igreja Católica. A magnitude e a profundidade das reformas, que afetaram profundamente todas as áreas da vida da Igreja durante o seu pontificado, excederam em larga medida as políticas reformistas semelhantes de seus predecessores e sucessores.

Sendo o primeiro papa a utilizar o avião, Paulo fez viagens, entre outros locais, a Jerusalém, à Índia, à ONU, a Portugal (a 13 de Maio de 1967, ao Santuário de Fátima), à Turquia, à Colômbia, à Suíça, às Filipinas, onde se desenhou um atentado fracassado, e à Austrália – o que deu azo a que lhe chamassem Papa Peregrino. E, porque o seu tema preferido e recorrente era a paz, passou a ser conhecido como o Papa Peregrino da Paz.

Mas este papa andarilho foi exímio na devoção mariana, discursando repetidamente a congressistas marianos e em reuniões mariológicas, visitando santuários marianos e publicando, para lá de várias exortações apostólicas, três encíclicas referentes ao culto de Nossa Senhora. Este pedagogo Vigário de Cristo na Terra procurou o diálogo com o mundo, com outros cristãos, religiosos e irreligiosos, sem excluir ninguém. Viu-se como um humilde servo de uma humanidade sofredora e exigiu mudanças significativas dos ricos na América e na Europa em favor dos pobres do Terceiro Mundo.

Os seus críticos viam-no muitas vezes como um homem distante, indeciso e sem carisma, além de pouco propenso a tomar posições firmes com relação a questões delicadas, como o aborto. Frequentemente, carecia de desenvoltura ao expressar-se. No entanto, a par da encíclica Populorum Progressio e da carta apostólica Octogesima Adveniens, que se constituíram como alguns dos mais notáveis marcos da Doutrina Social da Igreja, promulgou a encíclica Humanae Vitae, sobre a regulação da natalidade, instrumento que veio a tornar-se um documento de referência da paternidade responsável e peça orientadora na abordagem das questões sobre aborto, esterilização sexual e regulação da natalidade e cuja doutrina, ali explicitada, serviu de base para vários documentos pontifícios posteriores ao tratarem dos temas da família, da ética conjugal e da bioética. 

Esta encíclica, publicada a 25 de julho de 1968, foi considerada pelos opositores de Paulo VI como um retrocesso em relação ao Concílio Vaticano II.  No entanto, vem na linha da joanina encíclica Mater et Magistra, que de entre outros pontos, inclusive os de doutrina social, afirma que a vida humana é sagrada, desde o seu alvorecer compromete diretamente a ação criadora de Deus”. E, por outro lado, segue a Constituição Pastoral Gaudium et Spes, do próprio Concílio Vaticano II, que deixou expresso no capítulo que trata da família (ns. 47 a 52) que se devia, na regulação da natalidade, recorrer à castidade conjugal, para conciliar o amor conjugal com a transmissão responsável da vida.

Reitera a encíclica a visão tradicional da Igreja sobre métodos anticoncecionais e aborto  – ou seja, uma oposição veemente a toda forma de contraceção por métodos não naturais. Este posicionamento seria depois retomado e reforçado por João Paulo II na exortação Familiaris Consortio e na encíclica Evangelium Vitae. A encíclica paulina serviu também de documento-base para dois outros documentos do Magistério da Igreja: as instruções Donum Vitae e Dignitatis Personae, ambos sobre moral sexual e ética reprodutiva. O conteúdo desta encíclica, nesta parte, está atualmente incorporado no Catecismo da Igreja Católica, de  que os seus §§ 2370 e 2399 preconizam a “continência periódica, os métodos de regulação da natalidade baseados na auto-observação e no recurso aos períodos infecundos”, métodos que, estando “de acordo com os critérios objetivos da moralidade, respeitam “o corpo dos esposos, animam a ternura entre eles e favorecem a educação de uma liberdade autêntica”.

O pontificado de Montini decorreu durante grandes e profundas mudanças revolucionárias no mundo, revoltas estudantis, a Guerra do Vietname e outros transtornos. Paulo VI conduziu a Igreja numa época de transição entre as eras pré e pós-Vaticano II. À época, assistiu-se à revisão mais profunda da liturgia católica dos últimos séculos, a mudanças no sacerdócio e na vida religiosa, e a um mundo em mudança de valores com as taxas crescentes de divórcio, uniões de facto, liberdade sexual e legalização do aborto e generalização das técnicas anticoncecionais. Na memória do seu pontificado sobressai a reforma litúrgica (missa, oficio divino, liturgia dos sacramentos, paraliturgias e reformulação do calendário litúrgico – santoral e temporal), a promoção do apreço pela Bíblia e o diálogo ecuménico.

Alguns dos seus ensinamentos, na linha da tradição da Igreja, e outras questões que abordou foram controversos na Europa Ocidental e na América do Norte. No entanto, o Pontífice foi elogiado em grande parte das Europas Oriental e Meridional, além da América Latina, pela coragem com que abordou as questões sociais, equacionou a luta pela paz e conseguiu ler e ouvir a reflexão de pensadores não eclesiásticos, alguns dos quais não crentes.

Paulo VI procurava entender todos os assuntos que lhe caíam na mesa da discussão ou na agenda da reflexão/ação, mas também defender o património do fidei depositum, uma vez que este lhe foi confiado. E manifestou-se incansável nas iniciativas que desencadeou, sendo de destacar, entre outras: os dias mundiais da Paz, do Migrante, do Enfermo, das Vocações, das Comunicações Sociais, das Missões; o Ano da Fé, no XIX Centenário do Martírio dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo; os discursos na ONU e na OIT; o Ano Santo de 1975; o Sínodo dos Bispos; o Credo do Povo de Deus; o Congresso GEN da Geração Nova; e os inúmeros escritos na esfera do Magistério Eclesiástico.

Paulo VI faleceu, como se disse, em 6 de agosto de 1978, na Festa da Transfiguração. O processo diocesano para a beatificação de Paulo VI iniciou-se em 11 de maio de 1993. Em 20 de dezembro de 2012, o Papa Bento XVI, ao receber em audiência o cardeal prefeito Angelo Amato, autorizou a Congregação Para as Causas dos Santos a promulgar o decreto relativo ao reconhecimento das "virtudes heroicas" do "Servo de Deus" Paulo VI.

O seu “testamento espiritual" terá sido lido por mais de uma vez por João Paulo II nos "exercícios espirituais" que fazia, e deles tirou ideias, propósitos e pontos de reflexão para a sua vida e pontificado, como ele mesmo afirma no "testamento espiritual" por si redigido e que foi postumamente tornado público.