O Papa pela pena de Pilar del Río

27-12-2013 18:41

 

María del Pilar del Río Sánchez, nascida em Castril, província de Granada, em 1950, é jornalista, escritora e tradutora espanhola.

Em 1986, conhece o escritor português José Saramago, após ter lido todos os seus livros publicados em espanhol e ter pedido para o conhecer pessoalmente. Dois anos mais tarde, casam e decidem viver em Lisboa, mudando-se posteriormente, a partir de 1993, para a ilha espanhola de Lanzarote, nas Canárias. Permaneceu ao seu lado até à sua morte, em 2010. Foi também a tradutora de vários romances de Saramago para espanhol, dizendo alguém que foi através dela que se processara a nomeação do escritor para Nobel da Literatura, com a consequente obtenção do galardão. Após a morte do marido, requereu a nacionalidade portuguesa, que lhe foi concedida, e passou a ocupar a presidência da Fundação José Saramago.

Pelo que transparece da sua postura e atuação, parece ser uma mulher de grande fôlego interventivo e, nesse sentido, se pode ler uma peça jornalística de sua pena, publicada na Visão, de 26 de dezembro, sobre o perfil do papa Francisco. Começa por afirmar que, a seguir à renúncia de Bento XVI, facilitadora da “operação perfeita”, se impunha da parte do colégio cardinalício – a jornalista pensa que tal opção terá sido premeditada e propositadamente trabalhada, o que não creio ter fundamento sólido – a escolha de um pontífice que “soubesse sorrir”, tal como em 1978, na sequência da morte de Paulo VI, com a eleição de Albino Luciani, o papa que sorriu durante apenas 33 dias, ao passo que o jesuíta franciscano já leva bastantes mais dias de sorriso sério, segundo julgo.

Opinando que se trata de um homem austero e tímido, mas que, sem especiais dotes oratórios, se tornou estrela ao ser fortemente aplaudido no termo de uma homilia em Aparecida, no quadro do Sínodo da América Latina, a articulista entende que a singularidade e brilho deste homem não emanam da “púrpura do papado nem dos 20 séculos de história da Igreja Católica”, mas “de uma tentativa pessoal de ser útil às pessoas a partir dos códigos estabelecidos pelo Evangelho e pelo momento fundacional dessa instituição”. Creio ser de aceitar plenamente a segunda parte deste segmento opinativo, porém sem obnubilar quer a experiência anterior na Argentina, que a jornalista integra, e toda a tradição acumulada ao longo da história eclesial, que, se manchada por graves sombras e mesmo pecados, fruto do pó, caruncho e bicho acumulados na cátedra pós-constantiniana, também brilha como luminar das pessoas e dos povos, na procura nem sempre cabalmente conseguida na fidelidade ao redentor e na sintonia com os mais pobres e arredados para as mais ruinosas periferias.

Pilar del Río, apoiada no ponto de vistas e outros analistas, assegura que Francisco é um “tipo duro de roer”, “implacável como opositor”, rápido nas respostas, de inteligência acima do normal, sem tremer diante do poder e, sobretudo, “não é um homem acomodatício”, que possa ser seduzido com lisonjas ou com promessas paradisíacas. No entanto, pergunta-se o que pode Francisco fazer em termos de reforma da Igreja, para lá de afirmar doutrinariamente o que os predecessores confessaram, embora com outro estilo e outro enfoque.

Bastará, como dizem alguns, acertar as contas com a vigilância financeira, castigar os prevaricadores, renunciar a determinados adereços pontificais, que mais do que a simplicidade evangélica denunciam o sucedâneo do fausto imperial? Ser-lhe-á possível revolucionar a governação da igreja através da máxima descentralização possível, da audição do pulsar das bases e do arejamento das estruturas da cúria romana?

Para já, os passos ensaiados vão no bom caminho: se algum amadorismo se percebe nas cosias da governação, o certo é que este homem está a aproximar-se das pessoas, a relembrar os pobres, a denunciar a economia sem ética e que mata (cf Evangelii Gaudium), a questionar com todo o vigor “se há algo mais humilhante do que não poder ganhar o pão”, nas palavras de Pilar, e a querer que os pastores o sejam, mas “com o odor das ovelhas” (cf homilia da missa crismal). Enfim, oportuna e importunamente (cf 2Tim 4,2) usa da força insistente da palavra para assumir a função profética da denúncia da injustiça, do anúncio esperançoso do reino de Deus e no compromisso com a transformação do homem e do mundo segundo o coração de Deus.