O papel da comunicação Social

25-01-2014 16:59

O papel da comunicação Social

Em tempo, a propósito da memória litúrgica de S. Francisco de Sales, resolvi apresentar a reflexão, que passo agora a concretizar, sobre o papel da comunicação social, que integra a imprensa, desde há muito considerada o 4.º poder, terminando com um apontamento indiciador do empenho católico nesta área.

Ao estudarmos as funções de qualquer sistema comunicacional, temos de o relacionar com o sistema social e cultural em que está inserido e de com ele o pôr em interação. Assim, as funções dos meios de comunicação de massas terão diferentes conceções e desempenhos em país oriental, em contraponto com país ocidental, em país do norte ou do sul, em país capitalista ou em país dito socialista.

Tradicionalmente têm-se atribuído aos meios de comunicação social as funções de informar, entreter e educar. Segundo a conceção subjacente a esta trilogia, informar envolve a comunicação dos factos que ocorrem nos diversos contextos; educar ou formar, a orientação da capacidade que tem o homem para se defrontar com estes contextos, cabendo aqui todo o dinamismo da publicidade, seja ela institucional ou comercial, assuma ela os foros de propaganda combativa; e entreter ou divertir, o transporte mental e transitório do espectador para fora do seu contexto habitual, objetivando-lhe reparador descanso e distensão catártica. O próprio ato de comunicar pode ser já de si fonte e momento de prazer.

Por mais que se diga que a mais importante é a função de informar, correspondente ao direito basilar de informar e ser informado, ninguém acredita que os grandes homens do catolicismo, como Tiago Alberione, construtor da família paulista, e partidos políticos ou grupos económicos e financeiros tenham como principal objetivo prestar informação. Não, o seu desígnio é formar, educar, conduzir, influenciar – o que, por legítimo que seja, não pode ser incompatível com o respeito pela liberdade de aceitar ou de não aceitar ou com a abertura a diversas formulações. Por outro lado, o profissional da comunicação sabe que todo o ato comunicacional decorre sempre num contexto específico, que pode não ser o do seu putativo recetor, e comporta necessariamente uma intencionalidade comunicativa, que – queiramo-lo ou não – modula ou condiciona a prestação da informação, em termos quantitativos e qualitativos. Isto, para não falarmos do condicionamento da informação operacionalizado pela censura política ou empresarial, que tantas vezes ameaça com o desconforto, precariedade ou, mesmo, perda do emprego. Não é, com efeito, despropositada a exigência legal de cada periódico definir e publicitar o seu estatuto editorial, mas é deplorável tanto a proliferação da hipócrita declaração de periódico “independente” como a multiplicidade de formas encontradas pelos poderes para silenciar vozes incómodas, como o agravamento do custo de materiais, pressões, oneração fiscal, limitação de circulação, aquisição forçada, etc.

Ora, o papel de informar com a objetividade possível (que também se aprende diariamente), para observação do direito fundamental atinente a esta vertente, é o mínimo patamar exigível a todos. E, além disso, exige-se a plataforma ética que minore os abusos tentadoramente concomitantes às outras funções.

Por seu turno, Harold Laswell, cientista político norte-americano, na convicção de que a comunicação social não tem uma feição anódina, por mais que, por hipótese, se defenda consensualmente que a principal função é a informativa, enunciou, em termos sintéticos, as funções dos meios de comunicação nos seguintes termos, que seguiremos de perto: vigilância do contexto; correlação social; transmissão cultural; socialização; e entretenimento.

A vigilância do contexto faz dos meios de comunicação de massas sentinela dos indivíduos ou “janela do mundo”, na expressão de Marshall McLuhan, alertando-os para os factos que se sucedem ao seu redor. Assim, tal função configura o importante papel de moralização dos indivíduos, de reforço das normas sociais e de advertência para os perigos que impendem sobre o grupo integram, como a possibilidade de guerra, a queda da moeda e outros fatores que interfiram no dia a dia ou eventualmente na mudança radical de vida.

A correlação com o contexto social inclui a interpretação da informação relativa ao meio ambiente e as prescrições de conduta em reação aos acontecimentos transmitidos. Deste modo, facultando a propagação de opiniões sobre os factos ocorridos, expressa-se em editoriais ou em programas de opinião, na imprensa, rádio, televisão e redes sociais. Nestes termos, os meios de comunicação funcionam como aquela mesa redonda em que todos os intervenientes têm a possibilidade de debater os assuntos públicos e até de os poder alterar.

A transmissão cultural, por sua vez, implica a preservação da herança cultural da sociedade, ainda que, em muitos dos casos, a degrade. Antes da generalização destes meios, este papel cabia aos pais ou a membros mais velhos da comunidade, através da palavra ao serão ou em reuniões, trabalhos e festas. Hoje, como refere Harold Laswell, os pais “não conseguem transmitir aos filhos a sua carga cultural no singelo contar de uma história, visto que julgam que a televisão tem mais conteúdos e facilidades para bem ensinar, ficando os progenitores na cómoda posição de cúmplices.

Em consequência do fator cultural, vem a socialização que leva os membros de uma coletividade à aprendizagem dos modelos da sua sociedade, assimilando-os e convertendo-os em suas próprias regras pessoais conduta. Os meios de comunicação geralmente cumprem este processo de socialização, de maneira não formal, mas pela promoção de valores e de sistemas de vida, especialmente nas áreas do entretenimento, e que comportam a disseminação da ideologia das elites do poder ou das tendências socioeconómicas predominantes, em detrimento ou degradação dos valores da própria sociedade.

Já o papel de entretenimento, destinado a distrair as pessoas, está ligado ao cultivo belo e à apresentação estética, o que se transforma em fenómeno espetacular sobretudo nas produções televisivas. Até mesmo os programas meramente jornalísticos se transmutam em verdadeiros shows da vida e tornam muitas vezes o irreal bem patente à vista do público.

No entanto, são inúmeras as disfunções dos meios de comunicação de massa no trânsito e tratamento das informações junto do público, que é necessário ter na devida conta.

Entre elas, pontificam a manipulação e orientação ideológicas, o isolamento do indivíduo em relação ao grupo, a quebra e substituição de valores morais, sociais e culturais, bem como a fuga da realidade para uma ilusão que se visualiza e a que se aspira, mas que jamais poderá ser alcançada. Ainda para mais, as pessoas correm sério risco de ser reduzidas à condição de simples consumidores ou de mero número para pesquisa.

São vários os malefícios proporcionados por sistemas de comunicação em que um grupo – político ou empresarial – dita as normas com finalidades subtis de persuasão e condução da opinião pública, com vista à feroz conquista ou persistente manutenção da hegemonia. Torna-se, portanto, imperativa a necessidade de se democratizar o acesso às técnicas de produção, bem como a popularização dos sistemas de difusão, evitando a feroz apetência de controlo da comunicação social por parte do neocapital sem rosto – gerador de uma socialização cada vez mais unidirecional, manipuladora, massificante e transnacional – e criador do fosso profundo cavado entre o número cada vez menor dos cada vez mais ricos e o cada vez maior número dos cada vez mais pobres.

Diante deste quadro surge o conceito da comunicação participativa, que serve para enfrentar a comunicação massiva totalitária e que apresenta as seguintes caraterísticas: respeito pelo direito de acesso à informação, emergindo da condição de marginalização, que os afeta particularmente, os mais pobres e iletrados; exercício efetivo do direito a emissão de mensagens, onde pessoas e grupos populares, sem vez e sem voz, podem autoexpressar-se; exercício efetivo do direito ao diálogo, nos termos do artigo 19.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que estatui o direito de todos à liberdade de opinião e de expressão; oferta de programas interativos e criação do provedor do recetor (leitor, ouvinte ou telespectador); vinculação da atividade de comunicação a outras iniciativas de ação social, política e cultural em resposta a problemas concretos, pequenos ou grandes; a promoção da comunicação alternativa, que efetivamente se contrapõe à comunicação controlada pelos poderes e que de forma sustentável provê aos interesses de quem não tem usual acesso aos centros de decisão; e a luz verde à comunicação popular, da iniciativa das organizações populares de base – que são todas as formas de mobilização e de organização de pessoas das classes populares, direta ou indiretamente ligadas ao processo produtivo, tanto urbanas como suburbanas e rurais.

A isto, o Concílio Vaticano II responde com o decreto Inter Mirifica, em que, salientando a importância destes meios e alertando para os perigos humanos e sociais de sua má utilização, estabelece um conjunto de deveres respeitantes aos seus operadores e destinatários, aos poderes públicos e à própria Igreja, de que se destaca a formação das consciências, a atenção e a responsabilidade dos técnicos de comunicação e a disciplina dos utilizadores. Leiamos, a título de exemplo, o seguinte excerto:

“Para o reto uso destes meios, é necessário que todos conheçam e pratiquem fielmente, neste campo, as normas morais. Considerem, pois, as matérias que através deles se difundem, segundo a natureza peculiar de cada um; tenham simultaneamente em conta as circunstâncias ou condições, isto é, o fim, as pessoas, o lugar, o tempo e outros fatores de realização da comunicação, que podem mudar ou alterar totalmente sua bondade moral; entre estas circunstâncias se conta o caráter específico de atuação de cada meio, nomeadamente a sua própria força, que pode ser tão grande que os homens, se não estão prevenidos, dificilmente serão capazes de a descobrir, dominar e, se se der o caso, a pôr de lado.”

Em 27 de maio de 1971, a pontifícia instrução pastoral Communio et Progressio, que define “a comunhão e o progresso da convivência humana como fins primordiais da comunicação social e dos meios que emprega”, refere no seu n.º 16:

“A apreciação global dos diversos meios, num lugar determinado, deve ser feita segundo o contributo que prestam ao bem comum, isto é, se pela qualidade da informação e emissões culturais ou recreativas, contribuem para a vida e progresso da sociedade. As notícias transmitidas, por exemplo, deverão constar não tanto de acontecimentos brutos e como que tirados do contexto, mas de acontecimentos de tal modo situados que os destinatários possam cair bem na conta dos problemas da sociedade, e assim possam trabalhar para a sua solução. Por outro lado, deve ser mantida reta proporção, não só entre notícias oficiais, instruções escolares e divertimentos, mas também entre formas mais ligeiras ou mais sérias de ocupar o tempo livre.”

Mais documentos vêm atestando o empenho da Igreja Católica nesta área, a par da criação do Conselho Pontifício para as Comunicações Sociais e da instituição do Dia Mundial das Comunicações Sociais.

Finalmente, das declarações pontifícias sobressai a mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, no próximo 1 de junho, sob o tema comunicação ao serviço de uma autêntica cultura do encontro, que atribui a estes meios de comunicação um momentoso papel no devir humano:

 “Os mass-media podem ajudar a sentir-nos mais próximo uns dos outros; a fazer-nos perceber um renovado sentido de unidade da família humana, que impele à solidariedade e a um compromisso sério para uma vida mais digna. Uma boa comunicação ajuda-nos a estar mais perto e a conhecer-nos melhor entre nós, a ser mais unidos.”.

Enfim, comunicar é viver, é transmitir vida e promover vida.