O Presidente da República não é condicionável?

28-11-2013 19:18

O Presidente da República tem afirmado abertamente que não se deixa condicionar por nada nem por ninguém. Parece esta uma afirmação excessiva de autossuficiência. Preferia ouvi-lo dizer que pondera todas e cada uma das suas decisões.

Não tenhamos ilusões. No nosso sistema político, o órgão de soberania Presidente da República (PR) será mesmo o mais condicionado, quer pelas circunstâncias quer pela interdependência estatuída. O texto constitucional está apinhado de condicionantes que lhe dizem diretamente respeito. Passando uma vista de olhos pelos considerados seus poderes mais importantes e a título de mero exemplo, podemos apontar o seguinte:

Toma posse perante a Assembleia da República (AR), em tempos pré-estabelecidos e jura, além do mais, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa  (cf. art.º 127.º) – um misto de solenidade e deferência para com este órgão. Não o faz fora do contexto parlamentar.

Não pode, sob pena de poder ser destituído, ausentar-se do território nacional sem o assentimento da AR (no caso de ela estar dissolvida ou impossibilitada de reunir, a sua Comissão Permanente) ou, pelo menos, nalguns casos, sem prévia comunicação (cf. art.º 129.º).

Não pode, sob pena de inexistência jurídica do respetivo decreto, dissolver a AR, sem ouvir os partidos nela representados e o Conselho de Estado – e nunca em determinados momentos, constitucionalmente definidos (cf. art.º 133.º, alínea e art.º 172.º).

Só pode declarar o estado de sítio ou o estado de emergência nos termos constitucionalmente previstos, ouvido o governo e sob autorização da AR (cf. art.º 134.º, alínea d e artigos 19.º e 138.º).

Nomeia  o Primeiro-Ministro, ouvidos ao partidos com assento parlamentar e tendo em conta os resultados eleitorais (cf. art.º 133.º, alínea f e art.º 187.º) e os restantes membros do governo sob proposta do Primeiro-Ministro.

Só pode demitir o Primeiro-Ministro e o Governo quanto tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, ouvido o Conselho de Estado  (cf. art.º 133.º, alínea g e art.º 186.º/4. e art.º 195.º/2.).

A maior parte dos outros atos do PR, carece de referenda ministerial, sob pena da inexistência jurídica do ato  (cf. art.º 140.º).

O veto político sobre decreto da AR será ultrapassado por nova votação maioritária (nalguns casos, qualificada) da mesma (cf. art.º 136.º).

De vez em quando, o presidente em funções faz o favor de nos lembrar que a decisão de dissolver a AR é solitária, ou seja, inteiramente sua – o que não é de todo verdade: há condicionantes, como vimos. E mais: veio informar-nos de que não pode ser condicionado por razões emocionais ou pressões partidárias, como se nós fôssemos obrigados a crê-lo, já que se trata de um só homem a deter o poder, que, ainda por cima, nos tem dado suficientes mostras da sua forte emotividade e da sua oscilação entre hesitação e determinação.

Perante tais constatações, é de duvidar da discricionaridade constitucional de algum dos poderes do Presidente da República ou da atribuição de bomba atómica que é colada ao poder de dissolução. Será mesmo de contestável legitimidade a arrogância discursiva com que emoldurou o seu segundo ato de posse e a forma como precipitou a demissão do XVIII governo constitucional, através do apelo ao “sobressalto democrático”. Porém não quis demitir o XIX governo constitucional aquando da crise política do verão passado perante o não funcionamento das instituições democráticas, mas propunha-se impensavelmente negociar a dissolução da AR e marcar eleições antecipadas a prazo, a troco de conluio soteriológico.

Não será censurável a atitude de ponderar as eventuais dúvidas sobre a necessidade de submeter à fiscalização preventiva uma lei com base em critérios de grandeza económica e orçamental, mesmo que seja uma lei do orçamento, e não segundo critérios de justiça constitucional?

E em quem reside o poder de ajuizar da conformidade constitucional e/ou legal das atitudes presidenciais? No Tribunal Constitucional (só em caso de impedimento?), nos partidos da oposição, na opinião pública, nos peritos em direito constitucional? Só de cinco em cinco anos?