Para que serve o Panteão Nacional?

07-01-2014 20:19

Para que serve o Panteão Nacional?

O óbito de Eusébio e a simpatia desportiva e cívica que o evento concitou de todos os quadrantes desembocaram na ambição de promover a sua trasladação para o Panteão Nacional. E aqui duas situações se exibiram na ribalta: o poder político, ou pelo reconhecimento genuíno da singularidade do rei do futebol ou pela acomodatícia conveniência eleitoralista, acerta na importância da concessão desta honra, que resultará por iniciativa de uns e colagem, mais ou menos temporã, de outros; os especialistas nestas coisas dividiram-se, uns pelo sim outros pelo não e outros pela tolerância.

As diversas posições podem espelhar-se nas seguintes: Miguel Real, especialista em Cultura Portuguesa, opina que, “face à ausência de heróis, Amália e Eusébio surgem como os grandes heróis […]. É a maneira de o povo entrar no Panteão”; Maria Filomena Mónica, socióloga, baseada na convicção de que as escolhas anteriores resultaram de critérios ideológicos, entende que “ninguém devia estar no Panteão Nacional” e, “se alguém merecia estar no Panteão, era o Eça, que está numa quinta em Tormes”, ou a quinta de Vila Nova, da freguesia de Santa Cruz do Douro, no concelho de Baião; e João Serra, professor universitário, comenta sarcasticamente que “é um exagero esta histeria nacional, há um claríssimo aproveitamento da classe política e o povo deixa-se embalar”. Rui Rangel, juiz desembargador e antigo candidato à presidência do clube da Luz, frisando que “Portugal e a nação benfiquista estão mais pobres” e que “todos perderam um pouco, independentemente dos clubes”, fez um apelo às autoridades, para que o corpo do “Rei” do futebol nacional seja depositado no Panteão Nacional, à semelhança do que sucedeu com a fadista Amália Rodrigues. Por seu turno, a Presidente da Assembleia da República, muito embora admitindo o caráter temerário da sua opinião, lembrou que a operação envolvia “custos mesmo muito elevados, na ordem de centenas de milhares de euros” e, por consequência, defende “uma partilha de custos”, no sistema “de uma espécie de mecenato”.

Ora, independentemente da bondade inerente a cada uma das posições que possam ser assumidas na matéria, não deixa de ser chocante a explanada pela eminente figura do Estado Assunção Esteves. É de questionar, a pari, se um evento de importância nacional, como, por exemplo, a posse do Presidente da República, também deveria ser objeto da partilha de custos em termos mecenatais ou mesmo o funcionamento do Parlamento, correndo, caso contrário, a Casa da Democracia o risco de se ficar pelo “inconseguimento” das suas metas e realização de seu desígnio. O que importa, mesmo em tempo de crise pandémica, é saber o que é e para que serve o Panteão Nacional. É o que vamos tentar saber.

A designação e o estatuto de Panteão Nacional em Portugal é partilhada por dois monumentos: a Igreja de Santa Engrácia, em Lisboa, a partir de 1916, por decreto, e mais tarde, em 2000, por lei; e o Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra, a partir de 2003, por lei.

A noção de "Panteão Nacional" é pela primeira vez enunciada em Portugal por decreto (sem número) de 26 de setembro de 1836, que refere que um dos edifícios nacionais deverá ser destinado para receber as cinzas dos grandes mortos depois do dia 24 de Agosto de 1820”, o ano da Revolução Liberal.

Não havendo até 1916 nenhum edifício destinado especificamente para o efeito e, tendo sido, na maioria das situações, usado o Mosteiro dos Jerónimos (tais são os casos de João de Deus e de Almeida Garrett), é publicado, a 29 de abril de 1916, o decreto que destina para o efeito o templo inacabado da Igreja de Santa Engrácia. Porém, as suas obras só seriam concluídas em 1966, sendo o Panteão Nacional oficialmente inaugurado em 1967. Dada a duração e arrastamento no tempo de tais obras, passou a ser designada como “obra de Santa Engrácia” qualquer empreendimento que parasse no tempo.

Mesmo no último ano do segundo milénio, é publicada a Lei n.º 50/2000, de 29 de novembro, que “define e regula as honras do Panteão Nacional”, a conceder somente depois do decurso do prazo de um ano sobre a morte dos cidadãos distinguidos, e o continua a circunscrever à igreja de Santa Engrácia. Reservando à Assembleia da República a atribuição das honras de panteão nacional como sua competência exclusiva, explicita a sua finalidade:

“homenagear e a perpetuar a memória dos cidadãos portugueses que se distinguiram por serviços prestados ao País, no exercício de altos cargos públicos, altos serviços militares, na expansão da cultura portuguesa, na criação literária, científica e artística ou na defesa dos valores da civilização, em prol da dignificação da pessoa humana e da causa da liberdade” (art.º 2.º/1).

E a lei n.º 35/2003, de 22 de agosto, distribui o estatuto de Panteão Nacional por dois templos, sendo a finalidade atribuída ao segundo muito restritiva, exclusivamente à laia de reconhecimento, como, a seguir de discrimina:

“O Panteão Nacional, criado pelo Decreto de 26 de setembro de 1836, fica instalado em Lisboa, na Igreja de Santa Engrácia, e em Coimbra, na Igreja de Santa Cruz, estando o uso desta última, sem prejuízo da prática do culto religioso, destinado em exclusivo à prestação de honras ao primeiro rei de Portugal e seus sucessores aí sepultados” (art.º único).

Questionadas as diversas vozes sobre a conveniência ou mesmo a obrigação cívica da trasladação dos restos mortais de Eusébio para Santa Engrácia, toda a gente clama, ou por alijamento de responsabilidades ou por atitude de zelo pela preservação dos poderes, que tal competência é exclusiva do Parlamento. Pois é, a lei assim o determina. Mas a iniciativa, a sugestão podem surgir dos interessados. Que eu saiba, a nossa Constituição ainda consagra o direito de petição, em determinadas condições (cf CRP, art.º 167.º).

Concluindo, assumam as responsabilidades, sejam consequentes. Se promoveram ou aceitaram – e bem – toda aquela empolgante plataforma de liturgia desportiva que o mundo pôde contemplar, levem o herói para o campo dos heróis da modernidade nacional!

O próprio poeta político, de Águeda, sugere a interpretação maximalista das finalidades “panteónicas” quando escreve na obra que dedicou a Eusébio: “buscava o golo mais que golo – só palavra” e “não era golo – era poema”.