Paulo de Tarso

26-01-2014 13:53

Paulo de Tarso

Passa a 25 de janeiro a comemoração da Conversão de S. Paulo, figura de apóstolo incontornável no mundo do Cristianismo, efeméride que assinala o términus da Semana de Oração para a Unidade dos Cristãos nas comunidades do hemisfério norte, há mais de 100 anos.

Porque é que tal personagem se torna tão marcante na História da Igreja? É exatamente pela reviravolta que se deu na sua vida quando, na célebre viagem a Damasco com vista ao encarceramento dos discípulos de Cristo, lhe aparece numa luminosa visão o Mestre que o interpela “Porque me persegues?”. Ao que ele responde com a pergunta “Quem és tu, afinal?”. E, levado para a cidade, ali permaneceu durante três dias, cego, sem comer nem beber.

Quem era este homem fogoso?

Saulos, judeu de nascimento, viu a luz do dia em Tarso, capital da Cilícia, onde estudou as ciências e artes gregas, que ali eram ensinadas tal como em Alexandria e Atenas; e, porque aquela região se tornou um município romano, graças à sua declaração sucessivamente em favor de Júlio César e Augusto, este judeu tinha o estatuto de cidadão romano, usando como tal o nome latino de Paulus em contraposição ao nome grego Saulos.

Dotado de muito engenho e amor ao estudo, os pais cedo o enviaram para Jerusalém, onde cursou a escola rabínica de Gamaliel; aí aprendeu tudo o atinente à religião, costumes e cerimónias dos judeus e se fez um dos fariseus mais denodados na defesa da Thorá, Salmos e Profetas. Assim, quando surgiu o grupo dos “santos” (mais tarde em Antioquia assumiram o designativo de “cristãos”) e se espalhou pelas comunidades da diáspora hebraica, Paulo aparece como campeão do combate àquela nova “seita”, que estava a alastrar por todo o mundo conhecido e que, pela contestação que estava a desencadear contra a Lei, era imperioso jugular. E capitalizava cada vez mais resultados.

Consta dos Atos dos Apóstolos, que guardara as capas dos lapidadores do primeiro mártir, Estêvão, pelo facto de ainda não ter idade para participar na aplicação da pena capital judaica.

Porém, a viagem a Damasco munido de credenciais do Sumo Sacerdote para prender todos os seguidores de Cristo que encontrasse determinou o volte-face total. Recebeu então o batismo das mãos de Ananias ali mandado por uma visão divina, recuperando o recém-batizado do estado de cegueira e transformando-se num aguerrido apóstolo, já não do judaísmo mas da nova Religião, de que, embora em sintonia de fé com Pedro, se encarregou da missionação por todo o território abrangido pela romanização. E chegou a Roma, depois de criar comunidades eclesiais por todo o lado e as amparar, primeiro presencialmente e, depois através das epístolas ou cartas.

É de notar que a viagem a Roma resulta da invocação do estatuto de cidadão romano, o que, frente à tentativa da autoridade local de o condenar, lançou mão do direito de apelação para César – o que não podia ser recusado. A viagem constituiu a oportunidade de oiro para a missionação, dado o seu propositado caráter ziguezagueante e penetrante por todos os meandros da diáspora judaica.

Em Roma, o apóstolo não fundou aí a Igreja, que já lá estava estabelecida e a quem dirigira antes uma epístola, mas deu-lhe um forte incremento. Teve, no entanto, o seu fim torpedeado pela perseguição. E foi da prisão que ele emitiu os seus grandes ensinamentos e admoestações. Mas, quando a autoridade imperial o não quis mais suportar e se preparava para decretar a pena capital da crucifixão, o estatuto de cidadão romano gritou mais alto. E a pena foi comutada pela de decapitação.

Eusébio de Cesareia, que escreveu no século IV d.C., afirma que Paulo foi decapitado sob a égide de Nero. Este evento tem sido datado ou do ano de 64 d.C., quando Roma foi devastada por um incêndio, ou alguns anos depois, em 67 d.C.

Que desígnio passa a comandar a vida e atuação deste apóstolo das gentes?

Paulo é indicado a Ananias como instrumento de eleição do Senhor para levar o Seu nome perante os pagãos, os reis e os filhos de Israel (cf Act 9,15). A si próprio se designa como servo de Cristo, chamado a ser Apóstolo de Cristo de Jesus pela vontade de Deus junto de todos os gentios (cf Rm 1,1-5; 1Cor 1,1), não pela vontade dos homens (cf Gl1,1). E vive da consciência clara do mandato divino: “Estabeleci-te como luz das nações, para levares a salvação até aos confins da Terra” (Act 13,47).

Que se espera hoje em torno deste apóstolo?

Ora a um apóstolo que verbera a divisão gritante entre os Coríntios como se Cristo estivera dividido seria conveniente que os cristãos de hoje separados por diferenças históricas, diga-se mais acessórias na origem que essenciais, se voltassem para o cerne evangélico e resolvessem permanecer sob o mesmo teto e a gerir sabiamente as divergências, como sugere o irmão Alois, superior de Taizé.

E o papa Francisco, depois de ter afirmado que as divisões na Igreja não podem ser consideradas como “fenómeno natural ou inevitável”, mas um “escândalo” para os cristãos, exclamou numa celebração ecuménica na Basílica de São Paulo Extra Muros:

“Queridos amigos, Cristo não pode estar dividido! Esta certeza deve incentivar-nos e suster-nos a continuar, com humildade e confiança, o caminho para o restabelecimento da plena unidade visível entre todos os crentes em Cristo”.

Porém, Francisco adverte que “a unidade não vai cair do céu como um milagre, mas será o Espírito Santo a propiciá-la, em nosso caminho”; e avisa que, “se não caminharmos juntos, uns para os outros, e não trabalharmos juntos, a unidade não virá”; por fim, conclui que “é o Espírito Santo que a faz [a unidade], ao ver a nossa boa vontade”.