Sobre Política…

04-01-2014 20:31

Sobre Política…

Ao recordar aquilo que sobre o tema afirmou o Papa Francisco a 7 de junho de 2013, na Aula Paulo VI, no Vaticano, em resposta a uma das questões levantadas no encontro com os representantes das escolas dos jesuítas da Itália e da Albânia, pus-me a refletir sobre a necessidade do envolvimento dos cristãos na vida política ativa. Ora, o papa, sem papas na língua, afirma com toda a clareza e força:

“Para o cristão é uma obrigação envolver-se na política. Nós, os cristãos, não podemos ‘jogar a fazer o Pilatos’, lavar as mãos. Não podemos! Devemos envolver-nos na política, pois a política é uma das formas mais altas da caridade, porque busca o bem comum. E os leigos cristãos devem trabalhar na política.”.  

E, respondendo a uma possível objeção, esclarece:  

“Dir-me-ás: ‘Não é fácil!’ Também não é fácil tornar-se padre. Não há coisas fáceis na vida. Não é fácil; a política está muito suja; e ponho-me a pergunta: Mas está suja, porquê? Não será porque os cristãos se envolveram na política sem espírito evangélico? Deixo-te esta pergunta: É fácil dizer que ‘a culpa é de fulano’, mas eu que faço? É um dever! Trabalhar para o bem comum é um dever do cristão!”.

Porém, sabendo que o magistério da Igreja vem afirmando repetidamente que a missão da Igreja não é de ordem política, mas que a Igreja, enquanto “perita em humanidade”, não pode deixar de fornecer orientações e propostas que os cristãos deverão ter em conta na sua atividade social e na contribuição para o desenvolvimento da pólis, obviamente sem vincular os cristãos a um único projeto de condução política, dado que todos estes projetos são de si parcelares e decorrentes de uma ideologia, necessariamente limitada. Se a atividade política de cariz partidário não convém à ação dos pastores (bispos e sacerdotes), pelo que pode originar de divisão desnecessária nas comunidades que lideram – e João Paulo II quase intimou bispos e sacerdotes a abandonar a liderança política partidária e Bento XVI aceitou de bom grado a renuncia ao múnus episcopal de um dos bispos da América Latina, que se alcandorara a uma chefatura de estado – tal não significa que em caos de grave crise os pastores não devam produzir orientações claras e promover uma excecional participação dos cristãos na debelação e ultrapassagem da gravidade das situações (Isso o fizeram os bispos portugueses no auge do PREC, 1975, como refere Freitas do Amaral em O Antigo Regime e a Revolução, 1995, e eu bem recordo). Por outro lado, Paulo VI, na sua exortação apostólica Evangelii Nuntiandi (1975), no seu n.º 70 ensina:

“O campo próprio da sua atividade evangelizadora é o mesmo mundo vasto e complicado da política, da realidade social e da economia, como também o da cultura, das ciências e das artes, da vida internacional, dos ‘mass media’ e, ainda, outras realidades abertas para a evangelização, como sejam o amor, a família, a educação das crianças e dos adolescentes, o trabalho profissional e o sofrimento.”

E isto porque – refere-o o n.º 33 – porque a libertação evangélica

“não pode ser limitada à simples e restrita dimensão económica, política, social e cultural; mas deve ter em vista o homem todo, integralmente, com todas as suas dimensões, incluindo a sua abertura para o absoluto, mesmo o absoluto de Deus; ela anda portanto coligada com uma determinada conceção do homem, uma antropologia que ela jamais pode sacrificar às exigências de uma estratégia qualquer, ou de uma ‘práxis’ ou, ainda, de uma eficácia a curto prazo”.

Posto isto, tornou-se conveniente uma espreitadela pelos conceitos que a história do pensamento vem oferecendo sobre política.

Na filosofia aristotélica, a mais inspiradora da doutrina em regime de permanência, a política é a ciência que tem por objeto a felicidade humana, dividindo-se em: ética, que almeja a felicidade individual do homem na pólis; e política propriamente dita, que visa a felicidade coletiva da pólis. O objetivo de Aristóteles foi investigar as formas de governo e as instituições capazes de assegurar uma vida feliz ao cidadão pelo que, na sua ótica, a política se situa no âmbito das ciências práticas, isto é, das ciências que cujo objeto é o conhecimento como meio para ação. Não há política sem ação! E ação política sem uma base de conhecimento sólida será tudo menos política.

Para Platão, a política consiste na governação dos cidadãos segundo a justa medida de modo que alcancem a felicidade. Face às situações que encontrou de corrupção e de injustiça na administração da cidade, inclusive a condenação à morte de Sócrates, o sucessor do mestre, não se circunscreve à pesquisa de remédios paliativos, mas pretende solucionar o problema na sua origem, propondo aos futuros governantes como meio mais justo o caminho da filosofia, imune à corrupção e que lhes permite conhecer o bem supremo e agir em conformidade com ele.

Já Sócrates acreditava que as ideias pertenciam a um mundo que somente os sábios conseguiam entender, fazendo com que o filósofo se tornasse o perfeito governante para um Estado, do que resultara a sua oposição à democracia aristocrática que, à época, era praticada em Atenas. 

Tomás de Aquino, por sua vez, articula a fina flor do pensamento medieval com o da herança neotestamentária e retoma o essencial da ética aristotélica, acentuando-lhe a dimensão realista e exigindo-lhe maior firmeza de princípios e uma maior fineza na aplicação. Ao enfatizar o que denomina de justiça legal e a que nós poderíamos chamar justiça política, evidencia como seu fim supremo o bem comum, que é diviníssimo, e para o qual deve ser orientado o conjunto das atividades do cidadão. Assim se encaminha a atividade dos cidadãos para a prática da justiça, a principal das virtudes cardeais, acima da qual só se evidenciam as virtudes teologais. Entre as formas de justiça emerge a justiça política que se assemelha tanto à providência divina que o seu objeto é qualificado de "o mais divino". Seguindo e aprofundando Aristóteles, Aquino aborda a justiça como virtude e como valor social, pois é princípio de retidão para os indivíduos, para as relações e para as instituições da sociedade.

Infelizmente não é este o ambiente conceptual e prático que hoje orna a prática política e a doutrina que lhe subjaz, bem ao contrário daquela que é ensinada e propalada pelos atuais corifeus da condução dos povos.

Maquiavel, em rutura com a conceção tradicional, que serviria aos cidadãos, mas deixava de fora os servos e os escravos (os não cidadãos) abriu para um conceito que proliferou em inúmeros sequazes: partindo da ideia de que o ser humano é massa corrupta que se compraz em ser enganada desde que se sinta em segurança, a política é entendida como a arte de seduzir e manipular, satisfazendo assim os objetivos do príncipe e correspondendo aos desejos imediatos dos governados.

Não é, pois, por acaso, que, após o desgaste das ideias belas em si da revolução francesa – sintetizadas na trilogia cristã da liberdade, igualdade e fraternidade – e do holocausto resultante do totalitarismo nazi-fascista ou do asfixiante e também totalitário modelo bolchevista, a doutrina social da Igreja inicie com Leão XIII um caminho claro de doutrina social que marca orientações em regime evolutivo, é claro, pressupondo e proporcionando críticas contundentes à selvajaria da ambição desenfreada do ter sobre o ser contra tudo e contra todos.

Concluindo, é necessário reler as transcritas palavras de Paulo VI e as de Francisco e atentar bem nas seguintes deste último na já referida ocasião:

[Um rabino] “explicava aos judeus daquele tempo a história da Torre de Babel. Construir a Torre de Babel não era fácil: tinham-se de fazer os tijolos. E como se fazem os tijolos? Tinha-se de procurar o barro e a palha, misturá-los e levá-los ao forno: era um trabalhão. Com este trabalho todo, um tijolo tornava-se um verdadeiro tesouro! Depois havia que levar os tijolos lá para cima, para a construção da Torre de Babel. Se um tijolo caía, era uma tragédia; castigavam o trabalhador que o deixara cair... era uma tragédia! Mas, se por ventura caía um homem, não acontecia nada! Esta é a crise que estamos a viver hoje: esta é a crise da pessoa. Hoje a pessoa não conta; contam os euros, conta o dinheiro. Ora Jesus, Deus deu o mundo, deu toda a criação, não ao dinheiro, mas à pessoa, ao homem e à mulher, para que a fizessem progredir. É uma crise da pessoa... está em crise, porque hoje a pessoa – atenção, isto é verdade – é escrava! E nós temos de nos libertar destas estruturas económicas e sociais que nos escravizam. Esta é a vossa tarefa.”.

Não podemos, entretanto, esquecer que o silêncio e a omissão também podem ser atos políticos.