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Perante esta procissão de incompetentes…

16-12-2013 23:11

 

A Associação da Imprensa Estrangeira em Portugal elegeu hoje, 16 de dezembro, Mário Soares como a personalidade portuguesa de 2013. 

Neste ano, o ex-presidente da República Mário Soares tem sido uma das principais vozes na sociedade portuguesa – asseguram os jornalistas estrangeiros a trabalhar em Portugal, que quiseram, com este prémio, destacar o importante papel desempenhado por Mário Soares na Democracia e na história de Portugal.

O prémio constitui um reconhecimento da pessoa ou da instituição portuguesa por ele titulada que mais fez pela imagem do país no exterior. Se não foi voz única a tomar iniciativas conducentes ao debate, foi, pelo menos, aquele que suscitou um maior número de personalidades de quadrantes diversos a clamar pela necessidade de mudança de rumo e a opor uma lógica lancinante de firme oposição à onda pública dominante de inevitabilidade, dando vez e voz à erupção latente de desconforto e descrença qual aviso à necessidade de mudança de direção política. Mais: assinala a possibilidade de violência que não se deseja, mas contra a qual as defesas da Europa sem rosto e sem futuro já não disporão de imunidade, havendo, pois, que evitar o desespero coletivo de consequências imprevisíveis.

Trata-se de um homem que, não sendo nada pobre, fala em nome e defesa dos pobres, sem se afirmar pobre, como fazem outros. Poderia ficar no conforto do seu lar, no aconchego de sua manta, mas decide vir à rua ou à academia, sabendo que pode não ser ouvido, mas, habituado a ganhar e a perder com a mesma “cara de Soares”, suscita adesão, mesmo de quem não vai ao seu areópago, crítica, por vezes irónica e despeitada, e mimetismos que geram ações em nome da cidadania.

Torna-se aquela voz incómoda para a governança e para a oposição entretida com o quotidiano e o banal, sem projeto ou sem viabilidade e sobretudo é uma referência memorialista dos velhos políticos cujo saber, debate, dedicação à causa pública tanto contratam com longuíssima, sinuosa e asfixiante procissão de mediocridade que infesta este horto da beira-mar mais ocidental da Europa, governado por convictos adoradores de mercados, subservientes dos divinos credores, olvidados de que também somos contribuintes dos créditos, e grandes pregadores da inevitabilidade.

Coitadinhos dos alemães que já não podem continuar a pagar o facto de nós teremos ousado viver acima das nossas possibilidades! Não foram eles que incitaram ao consumo, ao endividamento para escoar seus produtos materiais e financeiros? Não foram eles que beneficiaram da solidariedade da Europa e do resto do mundo na reconstituição a seguir a duas guerras perdidas?

Porém, a procissão da incompetência não se cansa de entoar o hino da inevitabilidade a grande coral e acompanhado a luzido instrumental.

Um programa de sucesso?

15-12-2013 13:58

O Primeiro-Ministro continua a apostar na afirmação de que o programa de ajustamento negociado com a TROIKA está a ser cumprido e que o país, a quem foram pedidos muitos sacrifícios, está no caminho certo.

Como, se as metas do défice nunca forma atingidas, a dívida pública, em vez de diminuir ou, ao menos, estancar, aumenta, o desemprego aumentou (pequenos sinais de recuo podem não ser definitivos), o mal-estar social se agravou, os impostos subiram brutalmente, os salários baixaram pesadamente e as pensões se abalam estrondosamente face ao futuro? E a educação, a saúde e os apoios sociais reduziram-se à expressão mais simples. A emigração  (nomeadamente a de quadros) tornou-se sangria coletiva. Temos hoje um governo dual e cerca de dez milhões e meio na oposição.

Isto é de tal modo evidente que o Tribunal de Contas vergasta o legislador na fiscalização abstrata da constitucionalidade (preventiva ou sucessiva) em um sem número de diplomas legislativos (incluindo o chumbo de três orçamentos do estado) e outro tanto na fiscalização concreta. O n.º 1 do artigo 381.º do novo CPP já foi declarado inconstitucional por oito vezes em resultado do recurso por não aplicação por parte dos tribunais de instância e de recurso. Dizem os especialistas próximos da governança que não foi a norma considerada inconstitucional, mas apenas a sua interpretação. Ora, o que vale a lei, se a sua interpretação que leva à aplicação a torna ineficaz?

O FMI reconhece que o programa foi mal concebido. O governante mor atém-se à alegação de que ele não fora mal desenhado, mas que fora mal calibrado, porque aquando da sua elaboração não se sabia do verdadeiro défice de 2010, quando a DGO e o INE, publicaram estatísticas uns meses antes! E os propagandistas eleitorais do governo afirmavam que queriam ir além da troika, não sendo necessário cortar subsídios ou reformas nem aumentar impostos, bastava cortar as gorduras do Estado. Mais: os negociadores do PSD até clamavam que foram eles os autores da bondade do programa.

E agora o Tribunal de Contas vem referir que o governo deu pouca informação e faz muitas previsões erradas. Por outro lado, sabe-se que o PREMAC (programa de redução e melhoria da administração central) não foi cumprido: do número dos dirigentes da administração central a reduzir, ficámos por metade; mas, do número de funcionários a eliminar, chegámos a mais do dobro.

E que tal, em que ficamos?

E se não tivesse sido implantada a República...

14-12-2013 23:10

Venho lendo um livro A República nunca existiu - uma antologia de contos sobre um Portugal onde o regicídio falhou. Todos os contos (há também uma mini peça dramática em dois atos), embora diversificados na estrutura e na temática, bem como no perfil dos seus autores, nos dão uma hipotética evolução do país sem república e, por conseguinte, no regime de monarquia constitucional.

Nesse reino de ficção, as coisas evoluíram no mesmo contexto internacional: surgiram as duas guerras mundiais, instalou-se o comunismo, fez-se a experiência do nazismo e do fascismo e os espanhóis tiveram o franquismo e nós o salazarismo. Salazar, revestido dos predicados de polaridade negativa com que habitualmente o caraterizam os democratas, aparece, numa hipótese, como primeiro-ministro nomeado pelo rei Dom Manuel II e, noutra, como governante empossado por Franco na sequência da fuga do rei para o Brasil, que agora se tornou reino de acolhimento.

Como já demos a entender, aparecem os putativos reis ora como soberanos altamente competentes - na linha da tradição monárquica, mas em diálogo com a modernidade, com as instituições a funcionar em perfeita saúde democrática - ora na mais deslavada incompetência, mais aplicados ao desporto e colocando todo o poder no primeiro-ministro, a raiar a ditadura e com as instituições a definhar. Temos a hipótese da administração pública forte e amiga do ambiente e do cidadão ou a função pública perdida nas futilidades, um mundo empresarial decente e com sucesso económico e preocupação social ora um mundo empresarial eivado do espírito do lucro custe o que custar com a violência social a estoirar...

As rainhas e damas tanto apaparicam a figura do rei como o criticam causticamente; e não poupam Salazar, Carmona e outros. Respigo uma ficcionada afirmação de Dona Amélia em França, a páginas 111-112: "Nossa Senhora escolheu o país mais atrasado da Europa para aparecer, apareceu a três pastorinhos analfabetos e a primeira coisa que disse... estive a ler nas confissões da Irmã Lúcia... foi que aprendessem a ler. que fossem à escola. Foi um sinal de Deus, creio-o. Mas veio o Salazar e manteve o país analfabeto.".

Enfim, é uma linha ideológica visível noutros países, em que a distinção do sucesso político, económico e social não se liga à monarquia ou à república, mas à democracia e à mundivisão. 

As políticas atinentes aos costumes seriam idênticas às vigentes hoje.

Parece outrossim constituir uma velada crítica à confissão constitucional do republicanismo. Terão razão?

Nem sempre o mau desempenho penaliza!

14-12-2013 22:34

É verdade e os exemplos em Portugal não são tão raros como poderia pensar-se. Eis alguns casos:

Guterres demitiu-se do cargo de primeiro-ministro em resultado da derrota nas eleições autárquicas e tornou-se alto-comissário das nações unidas para os refugiados; Barroso, após a fotografia das Lages, que rampeou o lançamento da Guerra das tropas multinacionais contra o Iraque, e com a derrota nas eleições europeias, demitiu-se da governação e foi eleito presidente da comissão europeia; Constâncio, com a instituição que liderava a não dar conta do descalabro do BPN e do BPP, passou a ocupar a vice-governação do Banco Central Europeu; recentemente, o demitido diretor nacional da PSP pela ambiguidade da sua ação frente à escalada da escadaria do Parlamento pelos manifestantes policiais vai ocupar um cargo em Paris, pelos vistos criado para si próprio e com um vencimento muito significativamente superior ao auferido na direção da polícia.

Estes são os casos públicos de que me recordo. E quantos não têm enxameado os gabinetes ministeriais estribados num percurso académico sofrível e/ou numa experiência profissional diminuta ou balofa! Mas o reino do agora denominado capital de relação (antes, chama-se cunha) promove gente medíocre a especialista. E quem sabe disso tem de se calar porque lhe pode ser dito que não é nada consigo e que, se repetir, pode haver-se com procedimento em conformidade.

Quantos casos não se registam na atividade empresarial e na política de promoções de Peter e/ou de esfoliação hierárquica?!

Depois, exige-se sacrifício aos outros e pede-se-lhes seriedade e apregoa-se a meritocracia e a transparência...

Trabalho escolar: pesquisa e apresentação

13-12-2013 18:21

Com a devida vénia, disponibilizo o instrumento por nós elaborado no âmbito da BE da Esc Sec Santa Maria da Feira.

Para a apresentação de um trabalho escolar.pdf (211594)

Sobre a prova de avaliação de conhecimentos e capacidades dos professores

12-12-2013 22:46

 

Soube-se pela comunicação social que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra dera razão ao Ministério da Educação e Ciência na providência cautelar interposta pelos sindicatos, para evitar a realização da prova de avaliação docente, considerando que ficou por demonstrar a evidência de "ocorrência de prejuízos de difícil reparação" com a realização da prova, deixando assim "prejudicada a ponderação dos interesses em presença" e indeferindo, por isso, "o pedido de decretamento da suspensão de eficácia do Despacho n.º 14293-A/2013, do Ministro da Educação e da Ciência".

Ora, do meu ponto de vista – mas aí os tribunais decidem somente sobre aquilo que lhes é apresentado – não é isso que está em causa. É óbvio que não é sensato estar a negar a realização da prova com base em possíveis prejuízos de difícil reparação, mas por outras razões. Não é o medo da prova nem o incómodo de mais uma prova que deve levar à sua rejeição. O pano de fundo contém inconsequências como as seguintes: se há motivo de crítica à formação inicial, que se intervenha nesta, portanto, a montante; comparar com o ingresso noutras profissões não colhe, porque os professores vêm das instituições de ensino superior com diploma para ensino (antes, a licenciatura; agora, o mestrado), ao passo que outros se capacitam profissionalmente já fora das instituições de ensino superior (ninguém vem da universidade feito engenheiro, arquiteto, médico, advogado ou magistrado, notário ou conservador, mas licenciado ou mestre em engenharia, arquitetura, medicina ou direito). Os professores já vêm com experiência letiva. Se é insuficiente, que a reforcem; se precisam de mais exames, que os façam então.

De resto, não deve ser o MEC a aquilatar da capacidade docente através de um esquema de afunilamento, pois o MEC não tem competência como uma ordem profissional que crive o acesso ao exercício profissional a que se reconhece autonomia científica e técnica, e é de desconfiar das entidades independentes para que o MEC nos remete, já que as que ele tem criado são de muito esquisita legitimidade e/ou eficácia. Também não me parece lícito que se use este instrumento para arrecadar umas centenas de euros ou arredar profissionais do acesso à carreira: se o Estado precisa de mais dinheiro que o diga e explique como é que quanto mais nos esbulha mais depauperado fica; e se tem excedentes de professores, que o diga claramente, mas não se ponha a sobrecarregar à bruta os docentes que estão a aguentar penosamente o sistema educativo.

Por fim, não se insulte a inteligência dos docentes com testes americanos que até os miúdos do 3.º CEB fazem com sucesso!

São Dâmaso

11-12-2013 19:27

Embora haja quem afirme a possibilidade de ter nascido em Arguelaguer, Madrid ou Tarragona, pode dizer-se que Dâmaso foi dado ao mundo, com toda a probabilidade, em território atualmente português, havendo quem defenda a hipótese de ter nascido mais especificamente na cidade de Guimarães ou em Idanha-a-Velha, localidades à altura integrantes do Império Romano. Mas, acima de tudo, é certo que a península ibérica é o berço de seu nascimento.

Foi André de Resende que no seu Breviário de Évora de 1548 afirmou que o «... B. Damasus ... patria Vimaranensis ex Bracarensi Provincia», isto é, que São Dâmaso nascera em Guimarães, no  Arcebispado de Braga. No entanto, há que ter me conta que este filho de António e de Laurentina, é referido no Liber Pontificalis  (O Livro dos Papas), que começa com São Pedro e que na sua forma primitiva ia até ao Papa Estêvão V (885-891): «Damasus, natione hispanus, ex patre Antonio ...».

Verdade é que Dâmaso aparece ainda criança em Roma, onde o pai era Secretário de São Lourenço, um dos sete diáconos da Igreja de Roma, martirizado durante a perseguição do Imperador Valeriano ocorrida em 258.

É de notar que a sua época coincidiu com a ascensão de Constantino, que deu a paz à Igreja,  até então na clandestinidade, dando à religião cristã – pelo édito de Milão, ora no seu 17.º centenário – a sua carta de alforria e, posteriormente, com a adoção do Cristianismo como religião oficial do Império Romano, por decisão do imperador Teodósio.

Entretanto, os imperadores romanos (incluindo Constantino) continuaram a conservar o título de Pontífice Máximo (Pontifex Maximus) até 376, ano em que o Imperador Graciano, por razões cristãs, o recusou, já que o reconhecia como idolatria e blasfémia.

Ora, Dâmaso foi eleito papa em 1 de outubro de 366, por larga maioria, com o agrado do patriciado romano, mesmo daquele que ainda era pagão. Porém, alguns seguidores do anterior papa Libério, próximos do arianismo, rumorejando que “os seus versos afagavam os ouvidos das matronas”, suas apoiantes na arqueologia e marcação dos túmulos do mártires com epígrafes poéticas, tinham promovido ao episcopado o diácono Ursino, que arvoraram em antipapa que lhe disputasse o lugar.

Foram mesmo necessários dois anos de lutas sangrentas e chacinas para que Dâmaso chegasse ao papado. As batalhas entre os bandos seguidores dos dois postulantes foram de tal violência que em um único dia foram recolhidos 137 mortos. Acusado pelos adversários de assassinato, Dâmaso teve que se defender perante um tribunal imperial. Porém o imperador Valentiniano I, que autorizou a ordenação episcopal de Ambrósio para Milão,  apoiava Dâmaso e, no ano de 378,  Dâmaso foi definitivamente absolvido, enquanto Ursino era desterrado.

Tal processo deu a Dâmaso I a oportunidade de ajustar as relações entre a justiça civil e a eclesiástica, afirmando com serena firmeza a “autoridade da Sé Apostólica”, expressão de sua criação e que se tornou tradicional. O Estado passou a reconhecer oficialmente a competência da Igreja em matéria de fé e de moral, a quem passou a votar todo o respeito, enquanto tomava a seu encargo a execução das sentenças ditadas pelo tribunal episcopal.

Dâmaso, de obra discreta, mas paciente e eficaz, foi um dos mais notáveis papas do século IV, defendendo a Igreja de Roma contra eventuais cismas, enviando legados ao Primeiro Concílio de Constantinopla, e sabendo ligar à Igreja de Roma todas as igrejas locais. Agora que a igreja saíra das catacumbas para exercer às claras o culto divino, era necessário construir templos próprios para o efeito. Mas não se podia  abandonar a memória de quantos,  ao longo de séculos, consolidaram a vida de fé e delinearam a morada para seus corpos de defuntos. Por isso, Dâmaso foi o reorganizador das catacumbas e o cultor dos restos mortais dos mártires, cujos túmulos marcava e epigrafava poeticamente.

Foi ainda Dâmaso um escritor de grande mérito, autor de valiosos epigramas e de importantes cartas sinodais. Meritória se tornou a encomenda que fez a Jerónimo de Estridão da revisão da versão latina da Bíblia, a qual ficou conhecida como Vulgata Latina, até hoje uma das mais importantes traduções bíblicas.

Este foi o primeiro papa a usar com desenvoltura o anel do Pescador, com o símbolo de São Pedro, que ao contrário de hoje, era passado de pontífice para pontífice, assim que confirmada a sua morte, como símbolo da autoridade pastoral de confirmar os irmãos na fé. O anel sob a égide de Pedro, o primeiro papa, já não existe, pois foi destruído. Hoje, quando o papa morre ou renuncia, o anel é inutilizado por quebra ou raiamento com tinta indelével.

Há registos de que, por volta do ano de 378,  Dâmaso era designado por Pontífice ou "Pontifex", embora não fosse chamado de Pontífice Máximo, termo que aparece na Sagrada Escritura para descrever homens abençoados (Hebreus 5, 14), e em alguns casos o próprio Jesus  (Hebreus 3, 1).

É citado no livro "Peregrino da América" como poeta português.

 

Sobre a exortação do papa Francisco

10-12-2013 19:09

Ouvi com atenção o programa "prós e contras" da RTP1 (2013.12.09) em torno da revolução franciscana sob o pretexto da exortação apostólica Evangelii Gaudium, publicada na sequência da última assembleia do Sínodo dos Bispos realizada em 2012, ainda no pontificado de Bento XVI.

Desde a afirmação de Francisco como ícone do obscurantismo, com base na episódica concessão de indulgência plenária aos peregrinos ao santuário da Penha nas celebrações presididas pelo cardeal Dom Manuel Monteiro de Castro e da suspeita de acusação de ultrapassagem dos limites da separação da Igreja e Estado, beliscando a laicidade, à expressão clara da metafórica revolução espiritual com consequências visíveis sobre a economia e a política, decorrentes do facto do seguimento radical de Jesus Cristo, condenado por motivos religiosos, contrários ao judaísmo em voga, e por motivos políticos de insurreição contra as normas imperiais - tudo se afirmou. São positivas muitas das asserções produzidas: que Jesus trouxe ao mundo a novidade da horizontalidade do amor ao próximo; que o propósito de Francisco, cristão como é, seria querer a conversão de cardeais, bispos e cristãos, almejar colocar as mulheres em lugares cimeiros de decisão, com as consequências que daí advierem; que o papa, com a matriz da teologia da libertação no que ela tem de melhor, pretende ser a voz de todos aqueles que não têm voz, em razão da exclusão forçada, da pobreza, da doença, da velhice, do desemprego; que suas afirmações - como por exemplo, que esta economia mata, que não se pode aceitar a ditadura de uma economia sem rosto, baseada no mercado desenfreado, desviada dos pressupostos da ética antropológica - comportam riscos se forem utilizadas abusivamente por alguns poderes políticos. Mas também foi sugerido que Sua Santidade é um novo e autêntico intérprete da realidade, que deve ser ouvido pelos poderes, que se espera que ele erga a sua voz em grandes areópagos internacionais como a ONU, que ele não tem excessivas preocupações com o seu futuro ou que não teme pela sua vida. E foi deixada uma advertência: que, se é válido o aviso de que não se pode aceitar a crença vaga e  ingénua na economia que não preserva a dignidade humana, também se deve ter como aviso a afirmação análoga de que se não pode aceitar a crença vaga e ingénua na política que não seja serviço à mesma dignidade humana.

Ora, sobre tudo isto, parece-me acertado referir que a diversidade de opiniões sobre o perfil deste papa assenta na existência duma imprensa amiga que ele tem desde o momento da sua eleição, em diferentes visões da Igreja e do mundo, e em diversas expectativas criadas à sua volta. Por outro lado, não se pode pegar na laicidade ou secularismo para calar ou condicionar a voz dos homens e mulheres da Igreja, nem esperar da Igreja soluções políticas ou económicas. No entanto, o facto de a Igreja não ambicionar ter um programa político que se corporize num regime ou sistema de governança a seguir por este ou aquele estado e de não se esperar que ela apresente soluções para o descalabro económico, a iniquidade política ou as injustiças sociais não a iliba de responsabilidades na matéria nem a inibe de apresentar propostas e diretrizes epistemológicas para a solução dos problemas à escala local regional e mundial, lá ou cá onde os homens vivam na carne e na alma situações aviltantes ou dificuldades lancinantes. Não se pode confundir política com intervenção partidária. Se política é a intervenção na pólis (à grega) ou na civitas (à romana), ela comporta a definição de linhas de rumo para a comunidade. E não vale refugiarmo-nos, quiçá hipocritamente, na despretensiosa intervenção cívica para negarmos a responsabilidade política. Laicidade e secularismo não equivalem a confinação a espaço de mera consciência individual ou de sacristia de grossas paredes (no sentido positivo, secular é aquele que vive no mundo e com ele se compromete; laico ou leigo é o membro do povo - se o povo for crente, como é que há de ser este membro do laós?). Separação das igrejas e estados não pode significar silenciamento mútuo nem de uma das partes; se significa independência, também pode, na linha da definição de laicidade positiva proposta por Bento XVI e por Sarkozy, facultar audição mútua e cooperação!

Finalmente, acompanho o lamento do sacerdote jesuíta que lamenta o drama de não se ter lido a espantosa encíclica de Bento XVI "Caritas in Veritate" (Creio que ainda estamos a tempo) ou o seu discurso no parlamento berlinense. É que este papa, revolucionando mentalidades, palavras e atitudes está na linha da sucessão papal na refontalização e no diálogo com a modernidade. E, sobretudo, não se pode deixar de afirmar a atitude profética da denúncia do descarte dos sem vez e sem voz, do anúncio esperançoso do mundo que há de vir com a solução dignificante dos problemas humanos e o compromisso radical com todos os filhos de Deus, sejam eles quem forem, estejam eles onde estiverem.

 

Também agora o Tribunal Constitucional será acusado de bloquear o orçamento de estado?

09-12-2013 18:40

Pela terceira vez, o Tribunal Constitucional (TC) conclui pela inconstitucionalidade da "norma do n.º 1 do artigo 381.º do Código do Processo Penal, quando interpretada no sentido de que o processo sumário aí previsto é aplicável a crimes cuja pena máxima abstratamente aplicável é superior a cinco anos de prisão". Não sendo certo que uma decisão do TC no mesmo sentido implique a revogação da norma, como se diz vulgarmente, e decisões posteriores possam advir em sentido oposto, não se percebe como o governo e o parlamento não deem ouvidos a esta atitude de bom senso do TC na sequência das críticas anteriores de pessoas avisadas durante o processo de produção legislativa. A morosidade da justiça não se combate com julgamentos apressados de crimes de alta gravidade, mesmo que surpreendidos em flagrante os prevaricadores, pois, no estado de direito, devem, embora sem excessos e sem conivência com expedientes iníquos, ser dadas as garantias de defesa aos arguidos. Por outro lado, os interesses das vítimas ou de seus legítimos curadores não se acautelam com decisões graves tomadas em tempo inadequado. Talvez seja bom recordar que a justiça não se faz em nome dos arguidos nem em nome das vítimas, mas em nome do direito.

Já agora, também este tipo de decisões do TC representarão, como querem os críticos "mais sábios", um bloqueio sistemático às medidas orçamentais do governo validadas pela maioria parlamentar?

A Imaculada Conceição na História de Portugal e da Igreja

08-12-2013 23:30

 

As nações sobrevivem à erosão do tempo e afirmam-se vivas na história dos povos se prosseguirem na fertilidade que lhes vem da sua espiritualidade e cultura. A diluição espiritual e cultural de um povo significará inevitavelmente a perda da sua identidade e a sua redução a um hoje sem futuro.

Na História de Portugal assinalam-se dois altos momentos na recuperação da soberania: a Revolução 1383-1385 e a Restauração de 1640. No primeiro, salienta-se o cerco de Lisboa, que, após cerca de cinco meses de duração, terminou em nos começos de setembro de 1384, acentuando-se durante o assédio o significado da vitória alcançada por Nuno Alvares Pereira em Atoleiros, a 6 de abril de 1384, e a eleição do Mestre de Avis para Rei de Portugal, curiosamente um ano depois a 6 de abril de 1385, nas Cortes de Coimbra. Posteriormente, em 15 de agosto, travou-se a Batalha de Aljubarrota, sob o comando de Nuno Alvares Pereira, símbolo da vitória e da consolidação de todo aquele processo revolucionário. Por seu turno, no movimento da restauração destaca-se a coroação de D. João IV como Rei de Portugal, a 15 de dezembro de 1640, no Terreiro do Paço em Lisboa.

A égide da Imaculada Conceição liga estes dois acontecimentos decisivos na História da independência de Portugal, no contexto das nações europeias. Segundo secular tradição foi o condestável Nuno Alvares Pereira, hoje São Nuno de Santa Maria, quem fundou a Igreja de Nossa Senhora do Castelo, em Vila Viçosa, e ofereceu a imagem da Virgem Padroeira, adquirida na Inglaterra. Este gesto do Contestável reconhece que a mística que levou Portugal à vitória veio da devoção do povo a Nossa Senhora da Conceição. Quanto ao segundo momento revolucionário, há que recordar que, nas cortes celebradas em Lisboa, no ano de 1646, declarou el-rei D. João IV que tomava a Virgem Nossa Senhora da Conceição por padroeira do Reino de Portugal, prometendo-lhe, em seu nome e dos seus sucessores, o tributo anual de 50 cruzados de ouro e ordenando que os estudantes na Universidade de Coimbra, antes de tomarem algum grau, jurassem defender a Imaculada Conceição da Mãe de Deus. E o gesto que o mesmo monarca assumiu ao coroar a Imagem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa como Rainha de Portugal sublinhou a lídima espiritualidade que brotava desta devoção a Nossa Senhora.

Mas, já desde os primórdios da nacionalidade, quando da conquista de Lisboa por D. Afonso Henriques, havia sido celebrado um pontifical de ação de graças, em Lisboa, em honra da Imaculada Conceição.

De tal modo a Imaculada Conceição carateriza a espiritualidade dos portugueses, que, durante séculos, o dia 8 de dezembro foi celebrado como "Dia da Mãe" e João Paulo II incluiu no seu inesquecível roteiro da Visita Pastoral de 1982 dois santuários que unem o Norte e o Sul de Portugal: Vila Viçosa, no Alentejo; e o Sameiro, no Minho.

É pertinente esclarecer que o dia 8 de dezembro transcende o "Dia Santo" dos católicos e engloba indubitavelmente a comemoração da Independência de Portugal, que o dia 1 de dezembro retomou. O feriado do dia 8 de dezembro é religioso, mas é também celebrativo da cultura, da tradição e da espiritualidade da identidade e da alma da pátria.

Não menos importante será referir que, em âmbito religioso e litúrgico, o tema da Imaculada Conceição da Virgem Maria é já abundantemente abordado pelos Padres da Igreja. Será o Oriente cristão o primeiro a celebrá-la. E a festividade chega à Europa Ocidental e ao continente europeu pelas mãos das cruzadas Inglesas nos séculos XI e XII. Vivamente celebrada pelos franciscanos a partir de 1263, será o também franciscano Sixto IV, Papa, que a inscreverá no calendário litúrgico romano em 1477, após uma caminhada de discussão teológica. É que a Igreja ocidental, que sempre amou inefavelmente a Santíssima Virgem, tinha uma certa dificuldade na aceitação do mistério da Imaculada Conceição. Assim, em 1304, o Papa Bento XI reuniu na Universidade de Paris uma assembleia dos doutores mais eminentes em Teologia, para terminar as questões de escola sobre a Imaculada Conceição da Virgem. Foi o franciscano João Duns Escoto quem solucionou a dificuldade ao mostrar que era sumamente conveniente que Deus preservasse Maria do pecado original, pois a Santíssima Virgem era destinada a ser mãe do Seu Filho. Isso é possível para a Omnipotência de Deus, portanto, o Senhor, de facto, preservou-a, antecipando-lhe os frutos da redenção de Cristo.

Rapidamente a doutrina da Imaculada Conceição de Maria, no seio de sua mãe Santa Ana, se consolidou e a introdução da sua festividade no calendário romano se revestiu de maior sentido. E chegaram momentos de confirmação dessa caminhada teológica e espiritual. A Virgem Maria apareceu em 1830 a Santa Catarina Labouré pedindo que se cunhasse uma medalha com a oração: “Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós”. Em 8 de dezembro de 1854, viveu a Igreja o auge de toda esta riqueza teológica e celebrativa: através da bula Ineffabilis Deus, Pio IX, após consulta aos bispos do mundo, definiu solenemente o dogma da Imaculada Conceição da Virgem Maria.

A própria Virgem Maria, na sua aparição em Lourdes, em 1858, confirmou a definição dogmática, estribada na sistematização teológica marial e na fé do povo, dizendo para Bernadette Soubirous: “Eu Sou a Imaculada Conceição”.

Não estamos diante de uma simples festa cristã ou de capricho religioso. O dogma resulta de tudo quanto a Igreja viveu até aqui e vive hoje em toda a sua plenitude e faz parte da sua identidade, contaminadora de pessoas, povos e culturas.

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Pode consultar também em: https://ideiaspoligraficas.blogspot.pt/

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15-02-2014 16:28
A ADSE e os seus encargos A ADSE – sigla da então Assistência na Doença aos Servidores Civis do Estado, designação inicial atribuída ao organismo em 27 de abril de 1963 – significa, a partir de 15 de outubro de 1980, Direção-Geral de Proteção Social aos Trabalhadores em Funções Públicas e...

A gestão democrática das escolas e a legislação conexa

15-02-2014 01:52
A gestão democrática das escolas e a legislação conexa Com a revolução abrilina, não obstante a arejada reforma democrática do ensino da pena de Veiga Simão (Lei n.º 5/73, de 25 de julho – lei de bases do sistema educativo), impõe-se a rutura com as estruturas do regime anterior, em consonância com...

A gestão democrática das escolas e a Constituição

13-02-2014 20:30
A gestão democrática das escolas e a Constituição Sempre que o Ministério da Educação (e Ciência) promove a produção de legislação sobre gestão de escolas ou similar, argumenta com o acréscimo de autonomia, ao passo que os críticos acusam o seu acrescido défice. Se é certo que possuí alguma...

Mal-entendidos aldeãos e não só

13-02-2014 13:32
Mal-entendidos aldeãos e não só Nunca será excessivo acautelar a sintonia entre emissor e recetor na dinâmica da relação comunicacional. Se emissor e recetor não possuem um conhecimento equivalente do código linguístico ou se entre eles se instala ruído tal que obste ao fluxo comunicativo em boas...
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